terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Clarice
Eu não sei. Apenas saco, assim, de repente. Ficar alheia é a solução, mas para mim que sabe-se lá por que não adia uma interpelação, e portanto, resolvo ali mesmo, no face-a-face, fingir que não é comigo pode ser algo ultrajante. Pois sim. E então, quando, no meio da madrugada, liguei para ele a fim de desabafar e ouvi ao término da minha fala uma sequência sonolenta de sim's, compreendo e amanhã tudo será diferente, resolvi chutar o pau da barraca da vida e mandei de forma sadia todo mundo ir pra puta que pariu! Pois bem. Resolvi, naquele momento, que a raiva não iria mais me corroer e dividi, democraticamente, com todos aqueles que estavam pisando no meu calo, desde manhã, que a porcaria da gente ser o que é e o mundo ser do jeito que é não era minha responsabilidade. Infantilidade? Não. Me acusar por não ser madura é a saída para quem já está se esquivando da sua parcela de responsabilidade dos seus atos. Enfim, magoei mesmo aqueles que haviam me magoado, primeiro, sem pestanejar. Acontece que, há duas semanas atrás, havia solicitado pela internet um conjunto de panelas de inox DAQUELA marca famosa. É. Aquela que todas as minhas vizinhas de andar possuíam, mesquinhamente, e eu desejava de forma quase perversa me integrar ao grupo daquelas que tinham as tais panelas e assim garantir a minha sensação de 'normalidade', no condomínio. Porém, a mercadoria não chegou, no dia combinado. Nem no dia remarcado e muito menos no dia posterior às duas ligações que fiz ao atendimento ao consumidor da empresa para reclamar do atraso da entrega. Trágico. Cena lamentável para quem de repente deparou-se, na cozinha, com panelas velhas que representavam a própria solidão e o medo de ser aniquilada pelo 'não' que a vida pode nos dar. Exagerada, pensam aqueles que convivem comigo e me olham, quando abro a boca, como se eu fosse uma megera descontrolada. Não. Não é nada disso, pois nesta casa compreende-se muito bem o espaço do outro, a dificuldade alheia, a patologia incurável e portanto resignada, mas o meu desejo de ter as benditas panelas era coisa insignificante. Lembrei, após desligar o telefone com o meu marido, que estava viajando a trabalho há semanas, de uma peça que estava em cartaz algum tempo e que não havia tomado coragem de ir assisti-la sozinha. O nome não me lembro, mas o enredo me chamou atenção: um homem buscava, após o suicídio da sua esposa, encontrar o motivo de sua morte e que aos poucos revelou-se como um dos possíveis responsáveis. É dor e sem analgésico. Só sei que peguei no sono, com um pouco da ressaca da raiva e da angústia, que nos deixa aliás corojosos e justificados e sabia que amanhã meu marido não ligaria para perguntar como eu estava, e que as panelas talvez nem chegassem e que dado o momento de comentar com as minhas vizinhas de condomínio sobre a aquisição feita elas já estariam falando sobre um eletrodoméstico high-tech. Talvez faltasse mais de mim e menos dos outros em mim mesma, confesso, coisa que eu sempre soube desde infância e que não seria agora que encontraria uma compensação, enfim, acho mesmo que sou, no fundo, a melhorzinha do condomínio.
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