segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Your kiss is so sweet...

Ontem, enquanto assistia a televisão, vi João Gilberto Noll falar sobre o seu romance de estréia Acenos e Afagos, muito interessante, e como sempre, fiz o recorte daquilo que apenas me interessava e, nesse momento, meus ouvidos duplicaram quando disse: inadequação dos desejos perante ao coletivo, busca de identidade e paixões. Por que duplicaram?
Não sei minha mãe, meu pai, minhas irmãs, mas eu sempre fui do time que é avesso às convenções, aliás, eles nunca tiveram tempo para isso, assim como coragem para dizer muitas vezes: não estou satisfeito... Enfim, ganhei a fama na adolescência de transgressora e pra não falar coisas piores, inclusive, já me perdi por não saber guiar toda a complexidade que é enxergar a Vida como vejo, sinto - aliás, podem ter certeza de que não é muito diferente de como a veem e a encaram. Acontece que sou sincera e fiel a mim.
Na verdade, careço da habilidade de enxergar o que é certo - ou melhor, do que dizem o que é certo - como a única saída, não que eu não seja a favor da virtude, claro que sou, mas pra mim virtudes são sínteses, ou seja, para existir a tolerância é necessário algo que desafie a nossa paciência para negociarmos no momento que a pede se vale a pena ou não relevar amorosamente algo ou alguém. Assim, o que é certo advem de dentro para fora e não ao contrário. Pelo menos para mim sempre foi assim. Como diria Mefistófeles: "Eu sou a parte do todo que quer fazer o mal, mas cria o bem." Instituições morais nunca foram o meu forte.
Às vezes, penso que a saída deveria ser encorajarmos as pessoas a experimentar a Vida e tirar as suas próprias conclusões, não dizendo já de cara: isso é bom, isso é ruim, faça isso e estará no caminho certo... Entretanto, isso dá muito trabalho e medo, uma vez que não gostamos de saber que somos as únicas pessoas responsáveis pelas nossas próprias vidas, daí preferimos deixar que nos guiem, pois o processo de construir o seu próprio destino é algo que é necessário esforços e até mesmo paixão.
A inadequação dos desejos me parece um caminho de algo outro, o primeiro estágio de libertação. De tomada de consciência do diferente em si, de como a sua subjetividade sente o mundo e o ama. Hoje, lendo Proust, havia uma personagem que era sádica, e de repente o autor abre um clarão no meio da floresta a respeito das atitudes da senhorita Vinteuil:
"(...) Os sádicos da espécie da senhorita Vinteuil são uns seres puramente sentimentais, tão naturalmente virtuosos que até o prazer sensual lhes parece uma coisa má, um privilégio dos maus. E quando se permitem entregar-se um momento a ele, é na pele dos maus que procuram entrar e fazer com que entre o seu cúmplice, a fim de que possam ter por um instante a ilusão de se haverem evadido de sua alma escrupulosa e terna para o mundo inumano do prazer. E eu compreendia quanto ela o desejava, ao ver como lhe era impossível consegui-lo. No próprio momento em que desejava ser diferente do pai, o que ela me fazia lembrar eram as maneiras de pensar e de dizer do velho professor de piano. O que profanava, o que utilizava para os seus prazeres e que se interpunha entre esses prazeres e sua pessoa, impedindo-a de gozá-los diretamente, era, muito mais que a fotografia do pai, aquela parença que havia entre os dois, aqueles olhos azuis da mãe de Vinteuil, que os transmitira à filha como uma jóia de família, aqueles gestos de amabilidade que vinham colocar entre ela e o seu vício uma fraseologia e uma mentalidades inadequadas, as quais faziam com que considerasse a prática daquele vício como uma coisa não muito diversa dos inúmeros deveres de cortesia a que habitualmente se consagrava.
Não era o mal que lhe dava a idéia do prazer, que lhe parecia agradável; era o prazer que lhe parecia maligno. E como cada vez que se entregava ao prazer, vinha ele acompanhado daqueles maus pensamentos que durante o resto do tempo estavam ausentes de sua alma virtuosa, ela acabava por achar no prazer alguma coisa de diabólico, por identificá-lo com o Mal (...) Não teria acaso pensado que o mal fosse um estado tão raro, tão extraordinário, tão isolante e para onde era tão grato emigrar, se soubesse discernir em si mesma, como em todos os outros, essa indiferença pelos sofrimentos que nós mesmos causamos e que, por mais diversos nomes que lhe dêem, é a forma terrível e permanente da crueldade."

Não faça isso. Faça aquilo. Tem algo errado com o seu jeito de sentir prazer, de ser feliz... Cada qual tem o seu caminho de autodescoberta, mas o recado fica assim: há um diamante onde menos imaginamos, principalmente, quando não se tem coragem de encará-lo por pensar ser imoral.