terça-feira, 26 de julho de 2011

DIA ESTRANHO

Dia estranho.
Logo cedo, ao me olhar no espelho,
vi um templo com amplos vitrais.
O vento, da manhã fria,
atravessava a nave principal
varrendo toda poeira acumulada:

não me lembro mais de você, propositalmente.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

VIVER

A cidade está fria.

As pessoas são gentis
umas com as outras.
Tudo está funcionando:
semáforos, botões pregados, 
desejos sublimados,
tráfego tranquilo.
(Por que Pandora abriu a caixa?)

A saliva da brisa
sobre meu peito frio
precipita gotas de orvalho,
desenhando um dragão
com a boca aberta...

Não sei se sou
mais inocente que você.

Milagre
é estarmos vivos
há tanto tempo,
compenetrados
nas nossas invenções

acreditamos, inclusive,
que há sentido para tudo:

Meu querido, por que partiu tão cedo?

Com urgência
sou solicitada
e decido o dia todo,
mas quando tudo silencia, noto:

sobre o travesseiro de grama,
onde descanso todas as noites,
esqueci visões salutares:
o mar encrespado
todo prateado,
a flor presa aos meus cabelos,
as crianças sonolentas sobre o meu colo.

Vale a pena estar de passagem.

terça-feira, 19 de julho de 2011

ROTINA

Para a minha gata
sou um mistério ambulante
e um cacto extravagante

(Não sei mais para onde crescer).

Já invadi o hall do apartamento
e os vizinhos começam a me culpar
por instituir o silêncio como
um prêmio quitado
por todos os pecados.

Poderia chamá-los para um chá
e uma conversa franca,
mas, ao som do tilintar das colheres de prata sobre os pires,
poderia me tornar uma medusa  flutuante -
o que não seria nada bom
para minha reputação
de filisteia inebriante.

A minha gata já se acostumou
com a maneira como amo: à conta-gotas
e atenta e distante
observa a minha solidão
que de tão pulsante
alimenta meus pensamentos
frustrantes.

Mas é um grande azar
descobrir que nem todos
 me compreendem
em par em par
como faz a bichana
ao me perscrutar.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Poesia: frustração e gozo juntos. Por que ainda escrevo?

INSIGHT

Um colar de segredos
caído na calçada -
diria a ele: seja bem-vindo?

Quebrar o jejum
sem cortar as patas do leão
pode ser fatal.

Os lépidos olhares dos transeuntes
me envelhecem algumas décadas
até me transformarem em ser invisível.
(Sou apenas uma presença como uma lembrança).

Meus sentimentos, fogos de artifícios oníricos, irrompem no céu
para conclamar a nudez da alma: vermelho, laranja, azul.

Voltaremos a nos encontrar.