quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Em uma bela manhã, talvez eu fique inteira, novamente, como quando eu vim ao mundo. Há menos ingenuidade e generosidade em minha alma do que eu imagino. Talvez, a morte seja sim só uma passagem, mas por enquanto apenas as laranjas robustas sobre a fruteira cintilam a esperança de recomeçarmos sem você. É bom o sol da primavera. A minha grande mudança será quando eu decidir ser uma andarilha do mundo. Caminharei até os meus cabelos crescerem desordenadamente e se engalfinharem, nos meus tornozelos. Eu não sei se gosto de viver em sociedade. Ontem, eu resolvi dar de presente pérolas à minha irmã. Os sinos nos convocam a irmos à missa, é domingo e não tiro os olhos dos urubus que sobrevoam as nossas cabeças, é, pois é, talvez chova, é, pois é, talvez eu ame mais uma vez. Gostaria mesmo que inventassem uma pílula para cessar a timidez, tomaria-a toda vez que me desse vontade de criar - qualquer coisa, por exemplo: um sorriso para quem me é gratuitamente, gentil. Eu não sei se nasci do meu pai, pois até hoje procuro o meu pai biológico. Ninguém me impressiona mais do que os loucos. Não há desculpa para desistir de algo, nunca houve, não há saída para quem começou a subir a escada em espiral. Gosto de saber que o grafite quando submetido à pressão transforma-se em diamante. Odeio sentir raiva. Odeio desistir das pessoas. Os animais são um barato e dentre eles o felino é o mais admirável: intuitivos, misteriosos, humildes, e sábios porque nunca deixaram os homens os domesticarem por completo. Eu presinto, nesse final de ano, que se vomitar muito, em um jantar célebre, cercado de pessoas importantes, eu voltarei a ser inteira e me transformarei em um belo bebê com os olhos verde esmeralda.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pensamentos...

Eu já disse antes isso, aqui, mas vou repetir: eu amo o pensamento. Eu amo pensar. Refletir. Devanear sem rumo. Aprofundar o pensamento até ele repousar, no que penso ser a última possibilidade de desdobramento do que pensei. Daí o meu amor também à palavra, à escrita. Dar forma aquilo que perscrutei com a minha mente e para isso tudo é motivo: a minha gata à beira da janela, os livros que leio, o sorriso do meu sobrinho, a sinceridade do meu namorado, a raiva de quem perde quem ama, o mistério, o inssondável que nos faz aceitar, humildemente, que nunca chegaremos a conclusão nenhuma... E em meio a tudo isso, também amo o pensamento do pensamento, aquele desdobramento que orienta, que guia e apruma para nos centrar, como um corvo negro que conhece misteriosamente o destino do nosso herói e vai e volta em uma velocidade bárbara para o passado e para o futuro daquele. Enfim, amo mesmo abrir os olhos ao acordar e pensar devagarinho, conhecendo a minha consciência de forma que isso não iniba as minhas ações. Pelo contrário, decidi não ser uma mulher atmosférica, pois preciso de um corpo para que meu espírito seja afetado - como já diria Espinosa. Acho que por isso amo os pássaros e recorro a essa imagem, tanto em sonhos quanto em imagens produzidas conscientemente, para representar o meu amor ao pensamento, às ideias.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

GAROTA INTERROMPIDA

Não gosto nem de pensar nisso, mas é verdade. E é bom colocar para fora de vez em quando, pois do contrário, isso pode virar uma pneumonia - como diria a minha querida manicure. É, é verdade, ou ao menos uma faceta do que podemos achar o que é verdade: às vezes, viver é um absurdo.
Sem pudor, é fácil quando questionamos demais sentir um certo estranhamento com relação ao mundo e às pessoas... Como as personagens de Kafka que não se encontram no mundo e ofegantes lutam lutam sem saber contra quem e por quê. Enfim, quando me encontro altamente, introspectiva atinjo a medula do que achava não existir: sinto uma vertigem, que nos sonhos é representada como pequenos furacões que dançam sobre uma mesa de jantar, à qual pessoas estão sentadas.
De qualquer forma, descobri que reconhecer que viver pode ser um absurdo é para poucos, aí nasce um novo sentido, como Sartre mostrou em a Náusea... Não, não faço apologias ao existencialismo, nem ao niilismo... Mas mesmo para quem como eu que tem crenças - acredito no amor, na família, na amizade, em Deus, nos animais etc - o absurdo espreita e quando isso acontece ajo como a Alice no País das Maravilhas e aos poucos o que estava interditado abre caminhos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Há sempre um copo d´água e onde há amor há salvação. Meu querido, estarás para sempre, no meu coração!

sábado, 27 de novembro de 2010

Todos à mesa

Preciso compartilhar este trecho epifânico que se encontra no segundo volume do Em busca do tempo perdido, À Sombra das raparigas em flor, do Proust. Não digo que parece uma trovoada, no meio de um céu nebuloso, pois a luminosidade dessa fala da personagem Elstir, ao responder para o protagonista, está mais próxima de um amanhecer em que todos podem se sentar à mesa para tomar um belo café-da-manhã, independente dos trajes que estão usando, dos sapatos velhos, das noites mal dormidas, dos excessos que uma alma às vezes, comete. Simplesmente, fantástico!

Referência Bibliográfica:
PROUST. M (2006). À sombra das raparigas em flor. Trad. Mario Quintana. 3a. ed. São Paulo: Globo.

"Seria, pois, possível que esse homem genial, esse sábio, esse solitário, esse filósofo de palestra magnífica e que dominava todas as coisas fosse o ridículo e perverso pintor protegido outrora pelos Verdurin? Perguntei-lhe se não os tinha conhecido e se não o chamavam então de sr. Biche. Elstir me respondeu que sim, sem dar mostras de confusão, como se se tratasse de um tempo já passado de sua existência;não suspeitava a extraordinária decepção que me causou, mas ergueu os olhos e leu-a em meu rosto. No seu se espelhou um ar de descontentamento. Como estávamos quase em sua casa, outro homem de menos inteligência e coração que ele houvesse despedido secamente, sem mais nada, fazendo depois o possível para não se encontrar comigo. Mas Elstir não fez tal coisa; como verdadeiro mestre - talvez o seu único defeito do ponto de vista da criação pura fosse o de ser um mestre, neste sentido da palavra mestre, porque um artista, para entrar na plena verdade da vida espiritual, deve estar só e não prodigalizar o que é seu, nem sequer a seus discípulos - procurava extrair de qualquer circunstância, referente a ele ou a outrem, e para melhor ilustração dos jovens, a parte de verdade que continha. E preferiu, a frases que pudessem vingar seu amor-próprio, outras que me instruíssem.
- Não há homem - disse-me - por sábio que seja que em alguma época da sua mocidade não tenha levado uma vida ou não haja pronunciado umas palavras que não lhe agrade recordar e que quisesse ver anuladas. Mas na verdade não deve senti-lo inteiramente, pois não se pode estar certo de ter alcançado a sabedoria, na medida do possível, sem passar por todas as encarnações ridículas e odiosas que a precedem. Bem sei que há jovens, filhos, netos de homens distintos, com preceptores que lhe ensinam a nobreza d´alma e elegância moral desde os bancos escolares. Talvez nada se tenha a dizer da sua vida, talvez possam publicar e assinar tudo quanto disseram, mas são pobres almas, descendentes sem força de gente doutrinária, e de uma sabedoria negativa e estéril. A sabedoria não se transmite, é preciso que a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a saberoria é uma maneira de ver as coisas. As vidas que o senhor admira, essas atitudes que lhe parecem nobres, não as arranjaram o pai de família ou o preceptor; começaram de modo muito diverso; sofreram a influência do que tinham em torno, de bom ou frívolo. Representam um combate e uma vitória. Compreendo que não mais reconheçamos a imagem do que fomos num primeiro período da vida e que nos seja desagradável. Mas não há que renegá-la, porque é um testemunho de que temos vivido de acordo com as leis da vida e do espírito e que dos elementos comuns da vida - da vida dos ateliês, dos grupinhos artísticos, se se trata de um pintor - tiramos alguma coisa de superior a tudo isso.
Tínhamos chegado à porta de sua casa."

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O BELO

Eu gosto de ler abrindo caminhos ensolarados,
de ouvir música com timidez e desajeito,
de assistir um filme com o pudor de quem se descobre caído - como Adão e Eva, no Paraíso.

Gosto de capturar o olhar de uma criança,
quando ela sintoniza o invisível
e depois o compartilha em segredos gestuais:
Eu acho que ele gosta de você...

Gosto de ver homens construindo grandes avenidas, em São Paulo, sem titubear - como se fossem antigos pescadores reencarnados no asfalto seco.

E gosto de antecipar a imagem do perfil do meu namorado,
na minha mente-coração, antes que o sol entre pelas frestas da janela e o acorde.

Todas essas, figuras da rosácea
que eu decalquei nos vitrais dos meus sentidos,
tremeluzem a pureza da minha emoção descomprometida:
inauguro, na surdida da prosa da vida,
a ausência de regras e críticas de quem não enxerga a beleza.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Destruição de Carlos Drummond de Andrade

Os amantes se amam cruelmente
E como se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
Pelo mimo de amar: e não percebem
Quanto se pulverizaram no enlaçar-se
E como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
Que os passeia de leve, assim a cobra
Se imprime na lembrança do seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
Continua a doer eternamente.

domingo, 31 de outubro de 2010

O assassino era o escriba Paulo Leminsky

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente. Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular como um paradigma de primeira conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os E.E.U.U.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, corretivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

OBS: um dos motivos pelos quais eu quase deixei o Curso de Letras, transfiro essa situação inclusive, para as aulas de literatura, que impregnadas de teoria esqueciam a Vida, e pulverizavam qualquer tentativa de um posicionamento crítico, reflexivo e de fruição estética... A subjetividade do aluno, com seus questionamentos, não podia fazer parte da aula, ou seja, formavam sujeitos alienados de si mesmo!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A alma habita os mais profundos vales e o espírito os mais altos cumes...

sábado, 23 de outubro de 2010

AMOR FATI

Pouco a pouco, me aceito dentro de mim. O esforço é ser sua própria e única família. Não nego o amor daqueles que me amam e nem busco não sentir mais remorso por não saber me perdoar, e consequentemente, os outros.
Isso me torna humana e igual a todos e daí, sim, acho que conseguiremos nos olhar de frente de forma compassiva e misericordiosa.
Sou o meu ponto de partida e aceito a minha ignorância quanto aos movimentos da Vida. Nunca fui fã de batalhas. Sempre fiquei próxima da sensatez - dom este que não sei de onde veio, mas que agradeço infinitamente a Deus, por todos os centramentos que fui capaz de realizar diante do caos.
Hoje, quero apenas agradecer. Não busco mais respostas. Descobri que o caminho é saber vivência-las e representá-las com coragem e alegria. Transcender a dor. Estar à altura da Vida. Que Deus nos abençoe e nos conceda a capacidade do amor incondicional.

sábado, 9 de outubro de 2010

INVISÍVEL

Tenho 38 minutos para escrever algo que me deixe satisfeita - e isso é muito difícil. A minha meta é diluir um pouco de agressividade, ternura, languidez , sensualidade e loucura, na minha escrita. E ela tem que ser mais bonita do que eu e tem que refletir de maneira organizada aquilo que dentro de mim assemelha-se a uma caverna escura e que ao tomarmos coragem, para sairmos dela, nos deparamos com um campo orvalhado, cercado de neblina por toda parte.
Pois é. Eu quero uma escrita tortuosa mas diligente, pois preciso rasgar o verbo para eu emergir desnuda, sem purdor, no meio das entrelinhas, pois nasci ambiguamente, exibicionista e introvertida. Afinal, se domo duas ou três palavras de maneira precisa, já consigo suportar as minhas ideias extravagantes que nos momentos de sonolência moral, evaporam-se, deixando-me à margem de mim mesma - ou pelo menos, daquela parte que eu mais amo, secretamente. Enfim, preciso criar textos necessários a um mundo menos acanhado e mais autêntico; que toquem aquelas pessoas que cansaram de subterfúgios da persona; e que principalmente, sejam dóceis e ariscos como um cervo, para que, em sobressaltos, eu surja neles mais plena.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A elegância da escrita de Proust me deixa mais satisfeita com a vida.

domingo, 26 de setembro de 2010

ANCESTRALIDADE (da série: diálogo com quem deveria ter tomado ao menos um café - Virginia Woolf)

"Do canteiro ovalado erguiam-se talvez centenas de caules que se entrelaçavam em folhas com formato de coração ou de língua e a abriam nas pontas pétalas vermelhas, azuis ou amarelas com manchas coloridas; e da floração vermelha, azul ou amarela da garganta brotava uma faixa direta, eriçada com o pólen dourado e ligeiramente amassada na extremidade. As pétalas eram volumosas o bastante para secarem à brisa de verão, e quando se agitavam, as luzes vermelhas, azuis e amarelas passavam de uma para outra, deixando na terra pardacenta uma mancha de cores emaranhadas."

Kew Gardens, Virginia Woolf

Queria ter dito muito mais a ele, quando depois de deixarmos as compras do supermercado, na calçada, resolveu repousar os braços, no meu ombro. Mas não consegui. Disse apenas que daqui para frente as coisas seriam diferentes e legais!, pois venceríamos passo a passo o desafio de habitarmos aquela casa velha - herança de sua mãe - nas próximas semanas. Naquela noite, por estar exausta por tudo o que aconteceu, nos últimos dias, senti a necessidade de antes de entrar a casa ir até o jardim, que ficava nos fundos. A ideia de morar numa casa sem portões que pudessem delimitar as suas fronteiras com a pouca vizinha, ao redor, com apenas sebes, árvores e arbustos, em plena capital, numa região central, me entusiasmava, pois vislumbrava a possibilidade de passar os finais de semana, arrumando um belo jardim para descansarmos e fazermos as nossas refeições depois de uma semana estressante.
A noite estava agradável, pois em pleno outubro, o calor dera lugar a um ameno frio, que nos permitia usar malhas leves e jeans. Estava muito escuro, de modo que ao penetrar no pequeno corredor, que levava ao jardim, tive que iluminar com a luz do meu celular o caminho feito de areia e seixos, causando-me enorme prazer em me mudar, definitivamente, para aquela casa.
Talvez, eu estivesse negligenciado o luto por qual passava, naquele momento, mas não podia mais ficar ao seu lado naqueles períodos de grave angústia, pois foram seis meses dando lhe suporte e preparo para o que sabíamos, que mais cedo ou mais tarde, aconteceria. Definitivamente, creio que sua mãe me compreenderia e ficaria até mesmo feliz em saber que ao penetrar, naquele jardim, tinha a intenção de descansar e planejar sua revitalização, que inclusive faria um bem danado a seu filho.
O chão, um mosaico de terra úmida, musgos sobre pedras e grama, me incintava a sentar em meus próprios calcanhares para sentir o cheiro que dali exalava para gradativamente, me estabelecer confiante de que logo mais ele não sofreria tanto.
Ao olhar para casa, na janela da cozinha, era possível vê-lo guardando as compras no armário. Aquela luz forte amarela que logo mais seria trocada por uma branca econômica me dava a sensação de conforto que tanto buscava, nos últimos tempos, injetando no meu espírito a ideia de que talvez, na hora de dormirmos, ele voltaria a me abraçar, a cheirar os meus cabelos e a rir, no meu ouvido.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

TROPOS HUMANOS

Esses dias recebi um enigma telepático para resolver. Em sonho, aquela que está sempre à frente teve que descansar e disse para mim: o que acha disso? Preciso de sua opinião... Olhei para as folhas e imediatamente, meu bichinho de estimação veio sentar, no meu colo. Decidi resolver, com a minha própria mente aquilo que parecia não ter sentido nenhum... Estudei o problema durante 5 dias 4 noites e finalmente, o compreendi, silenciosamente, com um sorriso impagável.

sábado, 18 de setembro de 2010

CONVERSANDO COM ESPÍRITOS (da série: diálogo com quem deveria ter tomado ao menos um café - Paul Cézanne)

"Embora contrário à vocação artística do filho, seu pai, banqueiro em Aix, permite-lhe afinal estudar pintura em Paris, em 1861. Cézanne candidata-se à Escola de Belas Artes, mas é recusado e volta à sua cidade. Retornará a Paris, contudo, matriculando-se no Ateliê Libre Suisse, onde conhece Pissarro, Monet, Sisley e Renoir."
biografia de Paul Cézanne

No final da tarde, foi até a janela do quarto. Colocou a poltrona próxima do peitoril, onde resolveu deixar um dos braços para fora. Arregaçou uma das mangas do pijama e por alguns segundos ficou a sentir o vento gelado, na pele. Estava muito frio e ter a possibilidade de a qualquer momento voltar para cama e se enfiar debaixo dos edredons florais, dava-lhe a impressão de que havia - apesar de tudo - feito boas escolhas.
Olhando para uma gravura sobre a sua cama sem nunca ter notado alguns detalhes, começou a aliviar sua ira. Começava a sentir menos culpa e mais perdão, pois o que vinha à sua mente de forma torrencial, depois de uma conversa franca com aquela, que deveria ter amado mais que tudo e todos, era uma melancólica conclusão de quão difícil era manter-se... Fiel; paciente; amorosa, pois até os esmaltes nas unhas não se mantêm; nem os filhotes nos ninhos permanecem lá após determinado tempo, sem falar do gás do refrigerante que some depois de aberto uma, duas vezes e ficamos com o gosto insuportável de xarope, na boca... Pensar nesta perspectiva, quase ingênua, dava-lhe humor e leveza para aquilo que não aguentava mais carregar.
Recolheu o braço para dentro do quarto, sentindo-se mais serena, o cheiro de peixe assado da cozinha entrava no quarto, lembrando-a que tinha muito o que fazer, naquela noite, na qual receberia um casal de amigos. Vestiu os chinelos para acabar de fazer a janta, mas antes de atravessar o apartamento, aproximou-se mais daquela gravura e murmurou para si: Como não perdoar?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A MULHER DO SUBSOLO (da série: diálogo com quem deveria ter tomado ao menos um café - Dostoiévski)

"Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratarei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou superticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído para não ter nenhuma superstição, mas sou superticioso). Não, se não quero me tratar, é apenas de raiva. Certamente não compreendeis isto. Ora, eu compreendo."

Memórias do Subsolo, Fiódor Dostoiévski


Por quanto tempo aguentarei ser simulacro de mim mesma, não sei. Minha voz está irreconhecível, como aqueles garotos que estão na puberdade. Algumas emoções contraditórias deformam a imagem que tenho de mim mesma e acredito que isso está se refletindo na maneira como ouço o tom da minha voz. Mas será que as pessoas estão ouvindo os meus guinchos? Loucura... Metade minha já sabe tudo e tranquiliza-se: amanhã será um novo dia... Ironias escapam de mim, quando penso em voltar para o trabalho que abandonei, ontem, subitamente. Não, aquilo não me fazia bem. Anos e anos, trabalhando em uma editora, metodicamente, com horário cronometrado para levantar e almoçar; para caminhar no corredor e ir até a baia de algum colega para perguntar, se havia me incluído no bolão de um jogo qualquer - enfim, eram laços sociais que me davam a certeza de que eu era uma moça correta, simpática, mesmo sendo cínica comigo mesma, revelando no centro da minha consciência covardia e provincianismo...
Tsc Tsc Tsc... O esmalte começa a lascar, na pontinha...
Mas aos quarenta e cinco anos, por onde recomeçar? Rebeldia nunca foi o meu forte. Admirava aquelas que, na adolescência, faziam o que o desvario de uma fase pudesse impelir, eu, calada, resoluta das minhas metas preferia assistir a mim e a todos... Triste conclusão: ter sido uma expectadora de si e do e se... E se eu fosse mais....
Hoje solidão. Não constitui família e não por falta de oportunidade. Fui amada e amei, mas não me encaxei no papel que me caberia a de ser uma mãe, uma esposa. Pois na minha cabeça é assim: aos Outros tudo transcorre, naturalmente, e a mim há uma muralha entre o que desejo e a vida. Não, não quis chegar a um top-cargo, em empresa qualquer, nem me tornei a moça aficcionada por diet shakes e plásticas. Nada. Apenas salmoura para os peixes aos domingos e risos da piada de um amigo tão solitário quanto eu. Para onde foi o sentido da minha vida? Para onde vai? Pois bem, estou ao menos nesta noite, corajosa o suficiente para olhar para o vazio que criei como um filho - talvez, isso me salve!
Mais um café... É isso que peço à garçonete, enquanto tomo coragem para me arrastar até a minha casa, onde há plantas, massas prontas e recados na geladeira para serem cumpridos, na semana - e isso de alguma maneira alivia as minhas pulsões.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

PARA SE BORDAR EM UMA CAMISA FEMININA NAS COSTAS

"-O que você quer?
-Vovó, vim apanhar fogo - respondeu a menina, estremecendo. - Está frio na minha casa... o meu pessoal vai morrer... preciso de fogo.
-Ah, sssssei - retrucou Baba Yaga, rabugenta.- Conheço você e o seu pessoal. Bem, criança inútil... você deixou o fogo se apagar. O que é muita imprudência. Além do mais, o que a fez pensar que eu lhe daria a chama?
- Porque eu estou pedindo - respondeu rápido Vasalisa depois de consultar a boneca.
- Você tem sorte - ronronou Baba Yaga. - Essa é a resposta certa."

(Vasalisa, história contada na Rússia, na Romênia, na Iugoslávia, na Polônia e em todos os países bálticos).


Gosto da ideia de que à noite, enquanto durmo, uma velha de pensamentos poderosos e mágicos vela o meu sono, para que, na alvorada, antes que eu acorde, volta para o meu futuro - após ter coletado três frames do meu sonho - onde mora dentro de uma árvore, que fica ao lado de um portal, difícil de ser franqueado.

Essa imagem me cura...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A CIRCUNSPECTA

Na manhã:
Eu tenho que fazer algo por mim, urgente. Antes que a autosabotagem entre no lugar da paciência e da mezzo autoestima e ali inverne como um urso. Pois é sempre assim para quem tem um segredo de desabrochar na descoberta do devir: uma dúzia de planos e ousadias que dançam conforme os passos do recuo.

À tarde:
Explico-me melhor justificando a covardia: meu gênero foi acuado na historicidade e não vejo isso como uma fatalidade, pois nos desenvolvemos nos manejos da manobra do existir, ou seja, se não podemos, burlamos através do olhar nervoso, do toque das mãos suadas, da intenção que corrompe, docemente, quem nos guarda.

À noite:
Sofrimento infantil, diria você impaciente, mas que neste momento, por eu entender um pouco mais sobre a fidelidade, não me corrompo e transformo o meu corpo em uma árvore ancestral.

À noite dentro de um sonho:
'É só passar batom, minha filha, que a febre de pulsar as suas verdades passa!' - diria você a respeito das minhas indiossincrasias. Aceito o conselho - mas pela metade!
Então o meu lema é: sair à noite eufórica e concentrada, equilibrando-se no sapato alto, para atravessar pontes que me levam a mim mesma, que um dia estilhaçou-se mas que agora volta a vicejar como um jardim.

Na alvorada do dia seguinte de frente pro espelho:
Gosto de pensar em penteados e cortes de cabelo como prolongações das minhas ideias clandestinas, que me fazem crer em uma liberdade que me foi concedida um dia, mas que agora é apenas pegadas que sigo ansiosa e alegre como uma criança.
Não, não me julguem como aquela que deseja fugir da realidade. Pelo contrário. Hoje em dia, sou suficientemente, apaixonada pelo o que tenho de forma tão obsessiva que a minha ação é apenas a de colar os ouvidos nas células da vida onde ocorrem as transmutações.

É salutar fazer algo por mim, para ficar em paz com aquilo que aponta para os indíces do que fui-sendo, nesta bela jornada.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Degelando-se, numa tarde...

I-
Tem coisas que são inspiradoras. E geralmente, não são grandiosas e nem concluídas. Inspirar é sofrer a influência de algo. É arrebatar-se, e dali adiante ninguém sabe onde vai dar. Te ver ontem, por exemplo. Uma troca de olhar mínima, na faixa estreita do olho. Nem sei quem é, e mesmo odiando clichês e lidando bem com a minha solidão me guiei, atmosfericamente, para perto do balcão.

II-
Um café, por favor. Um gole, dois - o que faço aqui? Tonteando. Muda a cena. Alice caindo no buraco: "Quantos quilômetros já terei descido? Com certeza estou pertinho do centro da Terra, a uns 6.600 quilômetros, talvez." Não. Espera, voltando. Estou a dois palmos de você, meu rapaz, e essa troca de olhar, na arena dos impulsos, não me faz ser menos estranha a você, que ao contrário, tornou-se de supetão familiar às minhas intenções. Puxa! Os quadros de Leonilson fizeram um baita sentido de repente! Frase neon no centro da consciência: pensamentos proibidos do coração. Um sussurro, talvez...

III-
Adeus, era isso que eu gostaria de ter dito - sem soar carente demais. Queria ao menos ter causado uma boa impressão. Não um borrão de ansiedade e equívoco. Não. Sei que foi rápido. Assim que notei você, já não éramos. Mas foi inspirador, voltei para casa e mamãe à mesa disse: Tranquilo, filha? A sopa de aspargos fumegante, na baixela de inox, canalizou aquela euforia disfarçando-a, na frase: O que é isso, bacon? Delicioso! Em silêncio, jantei, isolada para continuar em uníssono aos seus encantos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Eletroplessão

Ultimamente, tenho dormido com as janelas fechadas. Não é por causa do frio - até porque estamos em pleno verão e aqui, nem brisa faz. Longe de tudo, concordo com o que o filho do eletricista disse, ontem, ao aceitar um copo de limonada: "Aqui, o diabo usa leque...". Olhei para baixo e não sei por que seu pai o recriminou. Fiquei constrangida comigo mesma. Lembrei o que meu ex-marido havia dito, quando estávamos no início do casamento. Aliás, erámos um casal e tanto. Olhando à distância, sinto compaixão pela gente e invejo a coragem que tínhamos, naquela época, quando caíamos no mundo como se fôssemos duas crianças precoces, que em meio a brincadeiras ousadas, cuidavam uma da outra de um modo competitivo. Hoje em dia, cansaço. Ele destacava-se mais pela inteligência e a simpatia (interessada), pois para T., um editor de uma revista artística, tudo tinha um fim preciso; enquanto o meu destaque era devido à minha beleza e à leve excentricidade de habitar o mundo , pois era assim que ele se referia ao meu comportamento, quando me observava costurar as minhas próprias roupas. Enfim, essas características, para um homem vaidoso que era, o faziam me colocar no lugar de um troféu perto de seus amigos. Uma caça rara. Fina. Como uma corça presa, mas que ainda era possível ver sua agilidade, elegância e rebeldia quase telepática, que apreendia o presente na medida para estar focada no próximo passo. Suas investidas para que eu falasse em público de início, me faziam rir. Depois, foram tornando-se duras, creio que queria me 'domesticar' e usando de ardis requintados solicitava que eu falasse para a esposa de um amigo seu sobre as peças, que confeccionava, aos finais de semana. "Veja. Ela mesmo fez. Como chama isso, querida? Organza? Não acha que poderíamos investir?" E ria. No fundo, queria me controlar, hoje em dia acho que começava a pressentir o nosso rompimento... De qualquer modo, ontem, quando o filho do eletricista levou uma bronca de seu pai, após eu ter olhado para o chão quando praguejou contra o calor, daquela tarde, me fez lembrar o que T. dizia: "O mundo sempre solicitando a sua presença calorosa - pois querendo ou não, é isso uma das coisas que te faz impressionável - , como se fosse um convite a entrar num rio de água doce... E você sempre indiciando nossas intenções e fragilidades... Não acha isso coisa de neurótico?". Não queria constranger ninguém. Diabo é diabo. Assim como organza é organza. Mas prefiro manter uma certa distância, atrás das coxias até sacar a pessoa. Não é uma questão de desconfiança. Creio que está mais ligada ao fato de poupar todos de relações que podem ser desastrosas do que duvidar do outro. Mas isso é difícil de se explicar, quando se tem a fama de uma pessoa irritadiça e solitária. Ultimamente, tenho dormido com as janelas fechadas e não me importo com o diabo usar leque. Não mesmo. Acho inclusive, divertido. Também não me importo em mostrar a beleza de uma manga de organza. Mas ainda sim, à noite, prefiro dormir dentro de um quadrado impenetrável.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Loneliness

Os olhos semiabertos. Pestanejadas. O sol esgueira-se pela janela. No criado mudo, um copo d´água sobre uma toalha branca engomada de linho. Silêncio. É domingo e todos são cristãos. A casa é apenas para ela. O que fazem as mulheres quando estão sozinhas? Abre a boca. Enconsta a língua, nos seus dentes perfeitos. Boceja... Engole a saliva, com a cabeça inclinada para o lado, a curvatura do pescoço evidencia as veias torneadas e a garganta avantajada. Cochila. Foge do mundo lá fora: buzinas de carros, burburinhos, na esquina, amantes satisfeitos... Mas precisa levantar. Abre os olhos, com dor. Sente-se terrivelmente, fatigada. Bom mesmo seria ser um animal, exemplo: uma gata e sem compromisso, respoderia a seus próprios instintos. Mas era mulher. Não havia escapatória. Os vasos de flores a chamavam para serem regados. O namorado logo mais telefonaria para juntos irem ao parque.... O que fazer quando se está sozinha, dentro de um quarto, ociosa? Desejo de ser seu próprio pensamento, as suas sensações e as suas fantasias. Não ter medo de cair na fantasmagoria da imaginação. Havia o comando de perscrutar o mistério da sua densidade espiritual, de vagar sem rumo até que sua mente inteplanetária encontre a sua autencidade clandestina, que como bebês famintos suplicava por atenção.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Lenita prestes a voar...

Há um começo e um depois -
Dias vagos, vazios.
Um passo, dois tropeços.

Fito: nítida mulher inerte,
Ofélia menina sob as rosas
estampadas no lençol branco.
Hoje, ninguém a acordará desse
sono profundo. Nem eu.

No cais próximo, embarcações tocam a terra.
É domingo. O portão está semiaberto.
As crianças ofegantes se encaminham
até a mesa do almoço posta no quintal,
guardanapos voam ao vento e
os talheres cintilam à luz do sol.

Simples como um copo d´água,
com duas folhas de hortelã,
ela abraça seus convidados. Mas fitem.
(Há a naturalidade obscena baudeleriana.)
"Torta de maçã, por favor...". Falta-lhe o prazer.

Dorme. Sonha. Sabe-se devagar, percorrida.
O seu dia foi longo e a noite incompleta.
A lembrança do antes já não é,
vira, meu amor, transmuta,
cura-se ao amanhecer,
constelando em seus olhos -
semáforo intenso para quem compreende suas pestanejadas -
a vida prestes a ser reconquistada.

Sozinha, desperta para si. Sem mim.

domingo, 20 de junho de 2010

Saramago... Adeus...

domingo, 13 de junho de 2010

Pássaros

Outro sonho estonteante. Era de manhã. O sol entrava pelas janelas da cozinha, o que possibilitava a chegada da luz até metade do quarto, que não possuia porta. No chão, uma gaiola com um pássaro. Azul, pequenino. Me aproximo, o pássaro como um imã vai ao meu encontro e só não gruda em mim, porque a grade nos separa. Acho bonito, ao mesmo tempo que percebo sua força e sua vontade de sair. Fico sem saber o que fazer, chamo a minha mãe, que só fala para eu não mais utilizar o tapete como passadeira e percebo o quanto é inútil falar com ela a respeito do pássaro. Na gaiola, multiplicam-se as aves. São inúmeros pássaros querendo se libertar, tento consolá-los e eles ficam violentos, transformam-se em madeiras e espetam a minha mão. Não sei o que fazer. A gaiola abre-se. Uma revoada sai e quando vejo ela se torna parte do meu cabelo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Fotografia I - depois de você

O primeiro dia do ano vibrou todas as horas sem que chegasse a carta de Gilberte. Como recebi outras felicitações tardias, ou que se atrasaram pelo acúmulo de serviço no correio, nos dias 3 e 4 de janeiro ainda continuei com esperanças, mas cada vez menos. Chorei muito nos dias seguintes. E isso porque, renunciando a Gilberte, fora menos sincero do que imaginava, e ficara com a esperança de uma carta sua no dia do Ano-Novo. E ao ver que me fugia essa ilusão sem que eu tivesse tido tempo de prover-me de outra, sofria como o enfermo que esvaziou sua ampola de morfina sem ter outra à mão.
(À sombra das raparigas em flor, Proust, p.228)

Há o fator imponderável, em tudo o que disse, ontem, às pressas. Não vou relevá-lo, acho que estava mais nervoso do que eu, que fiquei em estado de choque. O melhor foi mesmo ir para cama, tentar domir, após aquela conversa. Com a luz da luminária acesa, com a roupa que usei o dia todo, esperei adormecer, com esperança de que amanhã, ao acordar, tudo tenha sido um sonho. Mas não, e tive pesadelos a noite toda, um deles: com três bebês doentes, no colo, atendi o telefone. Era a minha mãe, que queria contar quem era o pai das crianças. Acordei sobressaltada... Os bebês estavam morrendo. Pensei em ir até a sala e te abraçar, antes do fim. Mas quando vi, preferi me acomodar, na cama, e abrir caminho para a primeira, entre inúmeras noites sozinha. Mas hoje, juntos, sentados à mesa, sem tomarmos café como o de costume, ignoro o que de fato seja dormir sem você. Me sinto anestesiada e o que me vem à cabeça só é um blues do Johnny Lee Hooker, que fala que alguém precisa tomar juízo. O chá esfria. E nem de pijama estou. Sem senso algum e com a urgência de recomeçar preciso me monitorar. Mas a manhã se esvai. Do lado de fora da casa, crianças andam de bicicleta. Essa ingenuidade me agride, sabia? Pois descubro que um dia o grande lance da vida é: aprenda a driblar para se exasperar menos. Só pense, antes de resolver colocar todas as roupas dentro da mala e partir: quem é quem. Sempre pensei que traição era algo que nunca me ocorreria. Não de orgulho, mas achei que com a vida corrida que levávamos: foco no trabalho, na família, nos projetos em comum, nas descobertas individuais, mas compartilhadas, jamais caberia outra pessoa, pois isso nos daria, inclusive, mais trabalho. Errei o caminho. E o dia amanheceu azul, há sol e o frio nos assola, o que confere a tudo que tocamos hoje a impressão de que existe felicidade apenas para alguns. Ao menos feche a porta.

domingo, 30 de maio de 2010

Crônica extraordinária de menina descompensada

Pode ser uma grande besteira sentir tanto medo, nessa vida, de ser o que se pensa que se é e que às vezes, se tivermos sorte de estarmos atentos, somos mesmo e chegamos até a acertar os nossos desejos, parecendo que se é feliz a maior parte do tempo. Não, não faça essa cara de que não entendeu o recado. Confesso que complicei o óbvio e desde aquela época, quando nos conhecemos, você estava certo quando disse: um pouquinho problemática. Mas o importante mesmo é que você estava lindo, assim de repente, na porta do hotel. Naquele momento, depois de tudo, compreendi como um elogio a pro-ble-má-ti-ca. Achei interessante esse rótulo, para mim eu era apenas uma garota que tinha de sobra imaginação e tempo livre, do mesmo modo que me faltava gente bacana como você, que sabe ficar assim: à toa com elegância e inteligência sem cair na prosa. Enfim, 2+2 são 4 e de fato sou um pouco descompensada.
Me falta a faculdade de simplificar. O trivial nunca fez parte da minha vida. Quando criança, ia à aula com um paletó do meu pai e meias vermelhas até o joelho. Em casa, ninguém disse: menina, não faça isso! E optei daí ser solta até o fim da minha vida, porque isso me causa menos exasperações. Olha, vou ser direta, cara, se eu fosse uma vaca, ou uma galinha, ou hiena, ou ovelha, não te amaria tanto e portanto, não passaria tantos vexames, na frente dos outros, ao dizer meio bebadinha que você é foda. Ainda não entendeu o recado?
Há duas semanas que não te encontrava mais. Falta de você. De tudo da gente. Certo que fui eu quem rompi quando o nó ficou cego, mas veja: amarelei antes de te confiar isso aqui: gosto de você horrores e isso me dá medo. Meu destino de passarinha está preso a alguém-gaiola, pois de repente e injustamente - afinal, ninguém consultou o meu juízo - num rolê à noite, você me sacou certinho. É. Pode ser besteira ter tanto cagaço. Pode mesmo, mas eu acho que você também sente o que eu sinto por você.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O cervo

O que fazer quando se tem dentro de si uma floresta? "Todos temos", responderia seu analista junguiano. "São representações do inconsciente, vá até lá e prepare-se..."
Habitar-se densamente. Mas o insight só veio mesmo, quando me deparei com um quadro da Fridha Kahlo: um cervo ferido. O rosto do animal era o da própria pintora. Lindo demais e ao mesmo tempo, sofrido. É o ethos da Fridha, da sua arte, as vísceras e a cor. Belo, na medida. A partir disso, compreendi a outra parte do meu sonho. Eu estava começando a fazer as pazes com o meu Self mais instintivo, no bom sentido. Conseguindo me fragmentar menos com as exigências de uma rotina, que muitas vezes me deixa exausta. Perturbada. No caso da Fridha, o cervo está ferido. Os martírios de sua vida, a poliomelite, o acidente, o aborto... Era a mulher selvagem pega e ela precisava de cuidados e a arte foi salvando-a pouco a pouco. Por um tempo não sabia o que fazer com o meu lado mais instintivo, que sempre pediu a ser integrado ao mundo. No meu sonho, eu cuidava de um animal pequenino, o carregava no colo, ninava-o sem saber que espécie era até então e de repente ele cresceu, forte, e vi que era um cervo com chifres grandes e pontudos. Ele queria voltar ao seu lar, à sua floresta. E eu não sabia o que fazer, estava agitado demais, até que alguém me auxiliou com uma pomada analgésica e ele se tornou um bebê lindo e então mais que depressa levei-o para um lugar adequado. Foi um sonho reparador. Eu chorei. Chorei muito, no sonho. Mas descobri a responsabilidade que é cuidar daquele animal, daquela criança que também está presente em tudo o que faço e que se cuidá-la dá para eu ser mais íntegra. A Fridha Kahlo buscava retornar ao seu estado natural (à sua floresta) com as inúmeras operações, realizadas no exterior, na tentativa de amenizar a sua dor. Mas infelizmente, não adiantaram. E o que restou a ela era a arte como salvação e que hoje, em 2010, em um apartamento em São Paulo, também me ajudou a entender um pouquinho mais de mim mesma, de ficar mais à vontade com as minhas exasperações e aceitar a realidade e alma como elas são.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Caminhando pela vila...

Não quero filosofar a vida. Quero apreendê-la de supetão. O homem do outro lado da rua, com as sacolas, na mão, vai sem mistério e atravessa certeiro o fim do seu dia. Ele não tem insônia. Está satisfeito com o que tem. Colocará sobre a mesa os pães, os cortará ao meio, passando a manteiga. Ligará a televisão. Não sabe que vive como um boi castrado por espanto e admiração de existir. Mas Proust conseguiu a cura, deu-se de presente personagens como Swann e Odete de Crecy. Como tenho dificuldade de deixar ser o que é, a minha luta é no palco das letras, onde apaziguo o sensível e o cogniscível. Às vezes, tenho a cara de pau de pensar que não sei para quem e o que vivo, pois o desânimo é o avesso do ideal, é uma armadilha para frustração de quem ainda resiste em amadurecer. De qualquer modo, a forma é que me impressiona. Ver todos vocês em pé, logo de manhã, indo atrás de seus sonhos como se fossem de vidro. Restando a mim apenas a compaixão.

domingo, 9 de maio de 2010

ALQUIMIA...

Para o budismo cada sentimendo contém uma centelha de Iluminação, ou seja, a possibilidade de sermos mais inteiros, plenos, libertos de qualquer sofrimento. Daí sermos tolerantes a tudo, inclusive a raiva, a nossa e a do outro. Portanto até esse sentimento, o qual é renegado às sombras é visto como uma possibilidade de encararmos a Vida, a partir de outra perspectiva, primeiro, deixando ele ser o que é, sem amaldiçoá-lo, mas também sem deixar que ele nos domine, isto é, integrá-lo à consciência de maneira compassiva.
Achei interessante. Mas seria possível? E um dia desses, me peguei sentindo uma raiva absurda, daquelas que deixam os olhos da gente mareados de lágrimas; daquelas que nos deixam, levemente, febris... (Creio que não há nenhum ser humano que não tenha sentido isso, se não sentiu deveria, pois o humano passa, inclusive, por aí).
Fiquei cega. Queria apenas blasfemar e me vitimizar. Tentei sair de cena forjando uma compaixão que beirava mais à omissão da injustiça do que de fato uma atitude correta, que poderia beneficiar tanto a mim, quanto à pessoa envolvida, no conflito, pois todos nós precisamos tomar consciência de quem somos, inclusive, naquilo que não é belo.
Enfim, deixei a raiva ficar no centro da minha consciência: vi no palco a revolta, a vitimização, a omissão, o medo, etc. Por que sentimos isso? Se fosse um tempo atrás, me sentiria culpada. E isso tão pouco ajudaria. Não acredito em culpa e sim em responsabilidade.
A partir disso, consegui acertar o alvo do meu incômodo. Foi como um processo alquímico, o que era algo concetrado, que bloqueava qualquer expansão de desenvolvimento diluiu e transformou-se na ação correta, pois descobri que o procuro está aqui dentro. Assim:
Não me senti mais vítima, não porque não foram omissos e frágeis, na hora de fazer a escolha, mas porque já sei que sempre terá uma saída para mim, pois acredito na minha continuidade.
Não me senti mais colérica, não porque não havia motivos de indignação quanto à falta de respeito, mas porque eu sei que ninguém tem a última palavra sobre o nosso valor a não ser nós mesmos.
E a partir disso, abri um canal enérgico aqui dentro e decidi transformar isso - a raiva, a agressividade - numa maneira mais assertiva diante daquilo que me cabe fazer, enfim, deixar a lenha queimar para bons motivos: acordar de manhã e trabalhar todos os dias com mais certeza, naquilo que adoro fazer. Lapidar alguns talentos, aceitar as minhas limitações minhas e a do outro, ir atrás do meu bem-estar e de quem amo com mais perseverança, aprender a perdoar o que é possível e dar o golpe último, naquilo que não é, conviver com o que é banido em mim e no outro, na sombra, de maneira consciente e acreditar sempre nos resultados das transformações de nossa alma...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

DIAMONDS

Um dia, num período bem difícil da minha vida, eu desenhei dois diamantes. O primeiro estava fragmentado, o segundo - a uma certa distância - estava recomposto. Interessante. No meio deles, havia o tempo, o qual representei com símbolos das estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Era como se eu já soubesse que aquela fase, por mais difícil que fosse, passaria, e que deveria me recolher e me reorganizar: havia perdido a minha vida mais profunda e agia sem consultar a minha alma, na tentativa de diminuir a minha solidão, a minha fome espiritual e o meu temor de construir a minha própria vida, feita à mão.
Estranho, pois como, num período, tão difícil encontrei tanta coisa boa?
Ao mesmo tempo que havia dor e ansiedade para um recomeço, feito de responsabilidades até então negligenciadas pela minha imaturidade e indolência, novos caminhos foram percorridos e mais do que nunca vi o quão preciosa era a vida: tomei banhos longos e deliciosos, caminhava pelo bairro de Pinheiros, em busca de maquiagem e de perfumes - lutava pela minha beleza; comecei a cozinhar e mastigar lentamente; olhei mais as pessoas nos olhos e amei um homem com toda a minha dignidade reinstaurada - e sou grata a ele por tudo o que me deu naquele período - mudei-me de apartamento e conclui apaixonadamente, a minha graduação... Enfim, em meio aos choros às escondidas, quando era pega pelos meus medos e pela surpresa de me redescobrir e ter muito o que enfrentar, solitariamente, mas com muita fé, criei uma nova vida honesta. Fui corajosa o suficiente para não fugir e dar a mim os remédios necessários. Enfrentei diagnósticos sozinha e não permiti sentir pena de mim mesma, pois eu só queria voltar a respirar bem como qualquer ser humano.
Enfim, acho que, intuitivamente, sei voltar a minha casa, aqui dentro, e não há nada e ninguém que poderá tirar-me o que conquistei: a minha vida profunda, criativa, feita de repousos, ousadia, instinto, amor, raiva, esperanças... Uma dieta perfeita para quem quer renascer: diamantes eternos.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

I LOVE BLACK BIRDS...

Imagem 1: meu peito partido, ao meio, no fio, andorinhas descansam, prestes a voar.
Imagem 2: meu peito partido, ao meio, três andorinhas partem, duas ficam enamoradas.
Imagem 3: meu peito partido, ao meio, uma fica, sozinha, partida, ao meio.
Imagem 4: meu peito partido, ao meio, vazio, tumtum...tumtum...tumtum... Livre, vou até você.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O certo Cavalheiro Branco

O prazer. Há de suspender, primeiro, o regalo. O excesso é grosseiro, turva a capacidade de fisgarmos, no coração, o céu azul das delícias - daí, a quase-disciplina do gozo.
Não sei por onde andas. Odeio platonismo, sou propensa à ferocidade dos encantos. Lembras?
Era inverno. Água & chá. Azulejo sua? Gotículas, nas minhas têmporas; saúde, nos teus lábios. Deixei o telefone tocar, fumegávamos, na suspensão do hiato, do retornar a zero, e por isso lhe digo: o mistério está nos limites do corpo. Por onde andas?
A conta gotas me dou aquilo que me emprestara por alguns meses. Com coragem, rasgo o voil da fantasia, evitando me entorpecer da gente e ao receber notícias tuas, sussuro o meu descaro: "Sacrilégio seria anuviar o desembaraço do teu sorriso, enquanto despedia-se à porta...".
Corra, venha ver o que abriguei, nesta caixa: frames do nosso tempo. Congelei um pouco daquilo. Coerência na gente? A busca está no vazios. Lembrança 1: a camisa branca, teu índice fatal. Lembrança 2: meu colar de pérolas caído, no chão, meu índice fatal. Lembrança 3: ...
Por onde andas, tu? Preciso lhe contar a minha tática: tornei-me um recato de moça para lhe superar e reencontrar-te, no próximo anel do espiral do nosso tempo. E assim, digo: não suma para sempre, volte a me fisgar, no fundo do teu coração, onde sorvo, suavemente, nossos prazeres.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

RECICLANDO-SE

Redefinir limites de si próprio é uma entrega crucial, convidada a cada ciclo, sutilmente. É quando nos sentimos áridos e algo clama, sussurra: "Você poderia sorrir... O que foi roubado? Aviltado? Reconstrua-se!" E um novo "eu" quer vir à tona, mas ainda lutamos contra esse desnudamento, preferimos deixar para outro dia o remédio necessário. Mas é preciso voltar ao lar. "Para onde vou, quando todas as ilusões foram pulverizadas, subterfúgios descontroídos?" Agir como antes não é mais possível, pas-sa-do. E daqui para frente? E a minha melhor parte pede apenas silêncio até que volto a caminhar, em direção daquilo que me cura. Não preciso ter. Nem ser. Já sou. E sempre serei. E, em flashes, me vejo sentada, em uma clareira, ao redor das minhas próprias pegadas. O mundo já não é mais o mesmo. E reaprendo costurar as minhas próprias feridas, cantando bem baixinho, celebrando com delicadeza a alegria de exisitir, pois sei que sempre é mais possível. E aos poucos, volto a sorrir.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Reconhecimento do amor, Drummond

"Como nos enganamos fugindo ao amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
sua espada coruscante, seu formidável
poder de penetrar o sangue e nele imprimir uma
orquídea de fogo e lágrimas.
Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu em
doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria".

quarta-feira, 17 de março de 2010

"Quando nos deixamos guiar pela felicidade, nos posicionamos num tipo de caminho que sempre esteve ali, à nossa espera, e vivemos exatamente a vida que deveríamos estar vivendo."

quinta-feira, 4 de março de 2010

A MULHER FODONA

Hoje, recebi de um amigo um link de um blog, que havia um post que falava sobre as mulheres fodonas. Ele, provocativo de forma terna, me perguntou: Seria você uma dessas? Achei engraçado, pois nunca me vi assim. Corri para ler o blog e a ideia básica era de que esse tipo de mulher não precisava de homem para se virar, no mundo. Seria isso mesmo? Pois para a autora do blog A mulher fodona se vira bem, em todos os aspectos: desde trocar a lâmpada de casa a fazer sexo de qualquer jeito, fora a sua independência financeira, intelectual e que portanto, essas coisas deixariam os homens um pouco amedrontados.
Olha, eu vejo isso com os seus prós e seus contras. Creio que a nossa sociedade atual foi abrindo espaços para as mulheres ocuparem, no primeiro momento, com a Revolução Industrial, posteriormente, com os Movimentos Feministas, que revolucionou certos comportamentos de modo que não há como agirmos mais como nossas mães e avós. Dessa maneira, tanto nós, quanto os homens ficamos perdidos quanto essa nova identidade feminina que veio se constituindo, ao longo do tempo. Pois é. Acho realmente triste, quando percebo que mulheres e homens não estão mais se entendendo - sem fazer mea culpa.
De qualquer maneira, o que percebo é que as relações, atualmente, podem ser mais sinceras, colocando em foco o que é realmente importante e não secundarizar aquilo que antes vinha em primeiro plano, a fim de manter um esteriótipo de relação homem-mulher. Quantas mulheres, no passado, ao se divorciarem se sentiram fracassadas? Humilhadas? Isso porque o marido não as tratava dignamente. Penso em minha avó, tadinha, que aguentava os sumiços de meu avô e não tinha coragem de deixá-lo. Enfim...
Acho que é por aí, e dessa maneira concordo que A mulher fodona quer mesmo um cara amoroso, que a respeite e a proteja, o cara que ainda brinca de se relacionar, que não passa da fase instintiva de uma relação, ignorando o ser humano que está à sua frente, com suas peculiaridades (pois temos nossas peculiaridades de mulher) logo deixará de ser interesse.
Agora, respondendo ao meu amigo, não sei se sou uma mulher fodona, mas concordo com o que Antoine Saint-Exupéry disse: "O que é essencial é invisível aos olhos." Ou seja, afeto, carinho, respeito e cumplicidade é o que pesa numa relação.

segunda-feira, 1 de março de 2010

PAUSA

Dei uma pausa, nas leituras, agora, é Mainguenau, depois ter lido Baktin e Umberto Eco, cada um falando de um paradigma diferente as questões da linguagem humana. Fora o Pierce. E a Ariane? Cansada, mas satisfeita, um pouquinho mais confiante, no meu caminho e nesse percurso, percebo que me meto no mundo das letras, para me salvar, me organizar, me nomear...
Sei que isso é coisa do ego que quer controle, pois para self tudo já está resolvido, a nossa alma se equilibra sozinha (mesmo nos nossos desiquilíbrios), aliás os nossos sonhos contam um pouco sobre isso, mas temos que estar atentos, pois somos tão ignorantes, que muitas vezes não ouvimos o que dentro de nós clama e nos aviltamos com escolhas que mais nos tiram a vida, do que nos oferecem exuberância...
A alma sabe entrar no rio. Assim, agorinha, dei um tempo com as leituras da aula e resolvi escrever para espairecer um pouco, no meu jardim verdinho.

ARIANE por Beto Silva

Hoje acordei meio Ariane,
Meio brasileira, oriental de fato,
Acordei meio Ariane, com jeito de gato, vontade de escrever.
Vontade mais ainda só de pensar.
Acordei assim, com vontade de pensar em mim.
Na minha vida, nas minhas coisas... no que posso ser.
Acordei ao lado de Nietzsche, Espinosa, Dostoiévski,, todos em livros, lidos em seus discursos.
E Charlotte pelos pelos em minha cama.
Acordei pensando em sonhos, nas fragilidades humanas, em meus desejos alheios.
Em minhas vontades desnudas, minhas vontades humanas.
Acordei sem nada pra pôr na cara, mas muito pra se encher na mente.
Acordei pensando em mim.
Com vontade ir à livraria, comprar mais companhias para meu fim de semana.
Acordei meio Ariane, com vontade de tomar biritinhas, ver meus amigos, estar com outros e deixar um pouco eu mesmo.
Acordei meio Ariane com vontade de pensar na vontade de estar a dois e relembrar minhas dúvidas significantes.
Acordei com vontade de ficar assim,
Assim meio Ariane.
O dia inteiro ...

V- Hilda Hilst

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio
Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
Ser nada à tua volta, sombra, coisa engraçada
No entendimento e tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido.
E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso faria injúria.

E no meu quarto se faz verbo de amor.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

PODE SIM

É Carnaval. Hum. Fico em SP. Queria escrever sobre a evolução do espírito humano. Mas não sei, daí espero o telefoner tocar. Me chamam pra ir a um bar. Hum. Penso. Todo mundo de casalzinho. Hum, ok. É Carnaval e ontem pela primeira vez, vi um desfile das escolas de samba. Nunca, nunca tinha imaginado que isso poderia acontecer na minha vida, mas com uma brother gringa "chega-chegando" a gente se sacrifica. Mentira. Exagero. Consegui me divertir mesmo pagando cinco conto, no churros. Mas juro: queria escrever Assim falou Zaratrusta parte II, neste Carnaval. Só que não dá. Não sei e tenho preguiça de pensar. É mais fácil ir ao bar e falar bobagens sérias com a galera. Ah, isso é bom demais!: saber que tem gente que é fiel a você, assim como você é a eles - mesmo quando o barranco desmorona. E o melhor, é quando você fala no meio dessa rodinha: "Gente, dormi, na arquibancada, e fiquei puta da vida, porque não havia levado meu mp3, para ouvir John Frusciante..." E ninguém corta a sua fala, no meio. Nem fingi simpatia, ou é, todo mundo numa mesma sintonia. "Cansa mesmo tanta pluma!".2010, carnaval, hum, dois chopinhos para quem ainda pensa escrever a sua grande obra! O espírito humano e sua jornada na... Esquece. Preciso dar um rolê, com o pessoal.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

CRÔNICA ORDINÁRIA

"Eu não sou amado porque sou bom, sou bom porque sou amado"
Mandela
Hora do almoço. Ela tocou o seu ombro, lentamente: "É bom comer aqui?". Ele sorriu, reconheceu a sua nova colega de trabalho. "Pode ser bom e pode ser ruim, depende." Riram. Cada qual foi fazendo o seu prato, para depois de pesá-los, sentar à mesa mais próxima. "Tá achando muito difícil o trabalho?". Fazia tempo que ela não achava as coisas tão difíceis assim. Queria apenas compartilhar, a fase da sobrevivência havia passado. Começava a se amar devagarinho e agora estava mais fácil ficar ali, ao lado de quem queria. "Um pouco." Ele a fitou curioso, sua voz era de mulher, que por sua vez não condizia com sua feição de garota. "Se precisar de ajuda, me dá um toque". Olhou para o prato e sem encará-lo agradeceu a gentileza, ansiosa logo foi cortando a troxinha de queijo, até que depois de muita insistência, engoliu um pedaço. "Acho que você deixou cair um pedacinho, no seu colo." E de fato, havia se sujado. Olhou para o rapaz, era mais uma oportunidade de se doar ao mundo, disse:"Vou precisar mesmo da sua ajuda." Era bom viver um dia de cada vez, desfrutava, agora, das coisas mais banais da vida como não perder mais os seus brincos, a dormir tranquilamente e o melhor de tudo: começava a confiar, nos estranhos e isso era mágico: ela existia e era Amor.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

TESE I

"Compreendi o quanto é importante aceitar o destino. Porque assim há um eu que não recua quando surge o incompreensível. Um eu que resiste, que suporta a verdade e que está a altura do mundo e do destino. Então uma derrota pode ser ao mesmo tempo uma vitória. Nada se perturba, nem dentro, nem fora, porque nossa própria continuidade resistiu a torrente da vida e do tempo." Carl Gustav Jung

domingo, 7 de fevereiro de 2010

MINHA VOZ

Olha, sabe, eu acho que eu tenho uma voz e ela é digna. Acho mesmo. Acho que sob todos os discursos que permeiam a minha consciência, tenho uma voz que sabe sintetizar tudo da melhor maneira possível que é ser sincera e aguentar o tranco. Não falo de verdades absolutas, nem me atreveria. A minha voz é humilde o suficiente para expressar que, na maior parte das vezes, somos confusos e contraditórios. Nao tem fórmula para se viver, se constituir como gente não é brincadeira, pois viver pode ser bem desesperador, para quem ainda acredita em lições de cartilha.
Olho as pessoas ao meu redor e fico embasbacada: como eles se entendem! Como eu os entendo em tão pouco tempo! Em você, nada é estranho, posso rejeitar o meu eu no seu, mas jamais será estranho! Às vezes, a minha voz soa como um trovão, é quando estou apaixonada por alguém, ou alguma coisa, que pode ser até uma ideia, uma sensação que precisa ser expressa e aí eu falo, escrevo, saio do caos por alguns minutinhos. Mas às vezes, a minha voz é oprimida, diminuída, rejeitada, silenciada, ou por mim mesma ou pelos outros e o nó fica ali para ser desatado, em uma outra oportunidade.
Acho sim, acho mesmo que tenho uma voz que quer contar a sua própria versão do que seja a vida, claro, o meu ponto de vista de tudo e de todos, que não é um veredito, e sim um praquejo humano, feito de balbucios descritivos, ou seja, mais um discurso humano, permeado pela cumplicidade de existir.
Deitada, na cama, prestes a adormecer, quando as imagens começam lentamente a surgir sem nexo, eu vi um céu lindo, com uma casa gigantesca, parecida com aqueles palácios romanos, pensei: "É o Paraíso!" . Meu coração disparou, imediatamente, saiu a minha voz irônica: "Não quero morrer, além do mais, sou budista e esse palácio está muito... cristão!".
É isso, é exatamente isso, a minha voz quer sair para falar em alto e bom tom: RESISTO na minha insignificância, nessa noite escura e o que me consola é ouvir-me como uma amiga mais corajosa.

INSÔNIA

Noite insone. Faz tempo que isso não acontecia. Está quente e há pernilongos no quarto, assim é fácil ficar acordada e não voltar a dormir mais. Um saco. E é aí que os pensamentos chegam, na surdina. Dúvidas. Ânsias. Projetinhos... Perscrutar a si mesma. Ideias, algumas absurdas, outras sensatas demais começam a surgir: cortar o cabelo curtinho? escrever o artigo? comprar uma televisão de plasma? mandar e-mail pra profa. de francês? será que ele pensa em mim, com carinho?
Levanto da cama e tomo um copo de leite - um mimo. Lá fora, avisto outra pessoa que parece também ter perdido o sono. Quanta inquietação! A minha é maior, pois quero tudo para um único dia: isso e aquilo e mais um pouquinho! Solidão é interessante quando se está suportavelmente bem consigo mesmo, é como mergulhar a uma profundidade significativa e ali ficar de olhos abertos olhando o seu cabelo flutuando, na água. Mas tem um momento, em que temos que ir à tona e voltar a respirar em companhia dos outros. Mas às 4h00 da madrugada encontro apenas meu bichinho de estimação, que olha sem entender minha perambulação pelo apartamento. Corto um naco de pão de milho, como letargicamente, abro a página de um livro para me dar uma pista de como agir diante disso disso e disso... Volto para cama e fico olhando para o teto: "Eu sou um homem doente..." Não, isso não, isso é o que o Homem do Subsolo disse, e o que disse Gregor Samsa, quando não dormia? Tem gente que tem insights maravilhosos, em noite de insônia, como aquele cara que montou um puta empresa e agora é rico! Mas, definitivamente, esse não é o meu caso! Brinco de tentar adivinhar o meu futuro. Acredito que se me esforçar mais um pouquinho eu chego lá. Lá onde? Enfim. As luzes do vizinho apagaram, ele foi dormir e percebo que está na hora de ceder um pouco: tranquilize-se, é apenas uma noite insone.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

MONTA E DESMONTA/QUEBRA E COLA

Não deveria escrever neste estado. Acho que isso não é aconselhável, deve atrapalhar a escrita. Digo, estar assim, à-flor-da-pele. É muita víscera e paixão para uma mulher só, então, levo do jeito que dá a alma, a qual me foi destinada. Não resisto mais, deixo ser o que sou, quero me tornar uma expert em mim mesma, assim recebo o que exploro com os sentimentos e juro, dói e lava como a sensação de tirar uma flecha do peito. E foi isso, quando percebi que ele estava muito velhinho e amedrontado. Quem? Meu pai. Um homem que viveu bem, com todos os desafios e limitações, assumiu responsabilidades gigantescas muito cedo e creio que, nessa história toda, esqueceu um pouco de si mesmo. Hoje, desejei mais do que nunca que estivesse feliz. Nada demais, só estava borocochô, é a vida e o tempo, bem sei. Só que o que doi ali, doi aqui. Também sei que não é diferente de mais ninguém. Mas olha, depois de ter vislumbrado essa precariedade obscena que é viver é preciso assobiar, no meio da noite, um sambinha. Meu Deus! Como somos frágeis! E acho que, exatamente, por isso somos orgulhosos e fingimos durante muito tempo o tudo-bem, amanhã-eu-serei-mais-o-que-desejo-aqui-no-fundo. E passam dois, três, quatro anos e mal abraçamos quem amamos. Por isso optei por um coração que monta e desmonta. Que quebra e cola. Acho muito, mas muito mais condizente com a vida loka - ótimo isso, né?: vida loka. Portanto, hoje, ao ouvir minha mãe falar sobre meu pai, ri, mas era de nervosismo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

INSIGHT PROFUNDO

Depois do inverno, sempre vem a primavera!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

CADA UM É UM PACOTINHO...

Olha que coisa engraçada: esses dias eu estava folheando o caderno Cotidiano e lá, no final, na seção de óbitos, encontrei um texto - perdoem a minha sinceridade - interessantíssimo: o falecimento de uma profa. da USP, que tinha como maior preocupação continuar lúcida até o fim de sua vida. Pensei: "Mulher digna". Lembrei-me, imediatamente, de Clarice Lispector, que também tinha uma certa preocupação com a sua sanidade mental. Pensei: "Razoável", até porque isso não bloqueou a sua criatividade. Mas isso me fez pensar, nas indiossincrasias, das pessoas: suas fantasias, seus medos, etc. Cada um com o seu: tem gente que tem medo da solidão. Tenho um amigo, por exemplo, que toda vez que falo com ele, ao telefone, e digo que fiz algum programa sozinha, ele suspira e me interrompe antes de eu terminar a frase:"...Zinha, Ariane? Mais uma vez sozinha?" Não que eu não tenha esse medo. Adoro estar ao lado das pessoas, principalmente, daquelas que gosto, mas não tenho esse receio. Fico de boa sozinha. Essas semanas de janeiro, desde que voltei do interior, passo às tardes sozinhas: lendo, procurando um apto. para morar, devaneando, escrevendo, cozinhando, indo ao cinema, fazendo compras no supermercado, visitando livrarias, arrumando a casa, etc. E sozinha. Às vezes, até mesmo chego a me assustar: não ligo para ninguém, dificilmente. As pessoas, graças a Deus, me procuram, mas também, raramente, para bater papo e sim para pedir algum favor ou convidar para algum programa. Conclusão: até vivo bem, na solidão. Tem gente que tem medo de se perder por aí, digo, caminhando. Eu, apesar de ser avoada, consigo chegar onde quero, não me apavoro, vou ouvindo música até que chego, no destino. E tem gente que tem medo de não ter emprego, olha, confesso, que esse eu tenho, pois a sensação de inutilidade, para mim, é terrível! Por isso não paro quieta um minuto. Odeio imaginar que não sirvo para nada, fora que uma das coisas mais bonitas que se tem é ver as pessoas trabalhando, criando. Acho visceral e mágico todo esse processo de transformar aquilo que não era em algo outro que é. Caraca, isso me dá uma imensa satisfação! É possível ver o potencial da pessoa, suas habilidades, seus domínios, seus pontos fracos e como cada um à sua maneira contribui para a sociedade, a cultura. Portanto, tenho medo de ficar sem emprego. Outra coisa, tem gente que tem medo de gato. Até entendo. Meu pai, por exemplo, só veio me visitar uma vez, por causa da Charlotte. Não gosta. Tem medo. Assim como outras pessoas. Li uma vez, na internet, que quem tem medo de gato evita entrar em contato consigo mesmo, pois o gato é aquele animal, extremamente, intuitivo que se liga com o que está oculto, nas pessoas, e quem não se conhece muito bem projeta no animal todo o desarranjo da inconsciência dos seus próprios instintos. Será?
Tem gente que tem medo de ser feliz! É, e confesso: às vezes, eu jogo nesse time, dou uma leve sabotadinha em mim mesma para não acreditar que aquilo que eu desejava está sendo correspondido. Na verdade, é insegurança, é falta de confiança: será que é isso mesmo? Que tá dando certo? E dou umas escapadas pela tangente. Meio peixe grande mesmo, fazer o quê, né? Mas volto para o lugar e aos poucos assumo a responsabilidade. Ou não, fico comendo pelas bordas até a situação se definir pelo acaso, que coisa!
Pois é. Cada um com o seu pacotinho. Com suas indiossincrasias. E respeitá-las e respeitar a do outro já é meio caminho andado para se viver melhor. Mas como é difícil, não? O que pode parecer divertido e banal para você, para o outro é motivo de vergonha e desespero. Ficar lúcida até o fim da vida? Acho importante, mesmo. Ficar sozinha? Adoro, muitas vezes. Se perder caminhando? Me viro, não nasci quadrada. Ficar sem emprego? Pavor! Gatos? Amo-os (profundamente). Medo de ser feliz? A-pren-den-do.

domingo, 3 de janeiro de 2010

NOTURNA

No deserto, somos convidados à selvageria. Alguém disse amor? Fim da linha e desterro para os desavisados. O esqueleto começa a levantar-se pedindo carne. Sobreviveremos e seremos felizes. "Suporte o que vê. Banque o que sente." - ela diz ao meu ouvido, já trançando os meus cabelos. Talvez, faremos uma fogueira para nos aquecer. O céu estrelado são os mil olhos de minha mãe falecida que me protege. Fique tranquilo, a noite sempre me pertenceu: danço por toda uma geração de mulheres e agora, peço, gentilmente, que sente ao meu lado. Comecemos a nossa história, deixe os animais a nos ensinar o que esquecemos. Carne? Exílio é amar e ser correspondido, foi o que disse quando me viu refletida, no regato. No deserto, ganho, venço, terra natal, onde volto para reaprender a ser minha e do mundo e agora, sua, meu amor.