terça-feira, 7 de abril de 2009

O amor é importante, porra


Caminhando pela Av. Sumaré, encontrei o que é Verdade.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

SONHO

Acordar. Dormir. Acordar. Pegar as revistas que estão sob a cama. Cochilar: “...O ano de 1917, que marca o início da segunda revolução russa, testemunha o- co-me-ço- de- u-ma- ou-tra -his-tó-ri-a- de- ras-tros- pre-sen-tes...”. Cochilar.

Sozinho, num quarto de pensão, o homem dormia escondido, desviando-se de tudo e de todos, fazendo deste momento, uma hora e meia antes do encontro com a namorada, um refúgio das solicitações menores e maiores de sua vida. Ou melhor, das dos outros, pois sabia – e no fundo todos sabiam – que nunca participava de algo que precisasse botar o coração na massa. Coisas simples: passa em casa! Gostaria que conhecesse uma pessoa... Podemos ir juntos, o que acha? Flores? Eu gosto!... Estendendo uma lista de ausências comprida. Desse modo, de tanto insistir, o povo o deixou ser o que queria: um cara bacana, que todos desejavam o bem, mas demasiadamente sossegado. Vamos respeitá-lo, não?

Pedro chegou a dar aulas de História no público e no privado, iniciou um mestrado e para sua surpresa, nos últimos anos de estudo da graduação, inclinou-se à historiografia contemporânea a ponto de desejar estudar a vida íntima dos operários da Barra Funda do início do século passado, especificamente, seus horários de lazer, e, foi assim, na busca de delimitação de corpus, que conheceu a pensão de Dona Alice: janelas que entram sol. Paredes descascadas. Um vaso de gérbera logo à entrada. Cheiro de carne de panela.
Sentiu-se extremamente motivado a mudar-se para lá - Talvez, ficar durante o tempo da coleta seja interessante! Não encarou isso como uma excentricidade, refletiu sobre a distância da pensão às escolas, nas quais lecionava e se desanimou, pois teria que acordar muito cedo, mas então, ao olhar uma morena de cabelos compridos, olhos amendoados, usando um vestido florido verde atravessar a entrada da pensão, perguntando a Dona Alice se havia chegado alguma correspondência, subitamente, encorajou-se a mudar.

Aconteceu que com o tempo foi ficando cada vez mais difícil chegar às escolas no horário, o mestrado, no décimo sétimo mês, estava lhe exigindo demais – estava atrasado nas leituras, não encontrava tempo para a organização dos instrumentos de coleta, do mesmo modo que lhe faltava sujeitos que se dispusessem a ser entrevistados – e Melina, a morena que avistara no dia em que se decidiu mudar, estava lhe cobrando atenção devida, pois havia deixado o namorado do interior para ficar com ele. Assim, Pedro pensou novamente em mudar de casa para se dedicar aos estudos, mas após analisar o que lhe incomodava de fato, resolveu deixar o mestrado e as aulas, negociaria uma demissão para receber o seguro desemprego e resgataria seu fgts, enquanto procuraria um bico no próprio bairro, evitando as queixas de ausência de Melina, a mulher que tanto amava! E assim foi durante três meses, inclusive o casal chegou a planejar um casamento e foi nesse período que lhe pareceu imprudente assumir uma relação. Pedro começou a não voltar para casa depois do trabalho – era vendedor de livros em um sebo. Melina, cansada, retomou os contatos com os seus no interior e para lá voltou, casando-se com o seu ex-namorado.

“... É-a-da-ta-de-nas-ci-men-to-de-Bo-ris-Schnai-der-man. U-cra-ni-a-no-que-che-gou-ao-Bra-sil-aos-oi-to-a-nos-e-le-é...”. A revista antiga o aborreceu, queria ler ensaios sobre os autores russos, não o panorama da literatura atual, gostaria de ler as biografias, as quais contassem coisas banais da vida do artista, para que a genialidade pudesse visitá-lo naquela tardezinha e iluminasse o ordinário. Era um jeito de se aproximar do belo. Mas nada encontrou nesta leitura, e, como facilmente se entediava, jogou a revista de lado para levantar-se da cama, calçou os sapatos, desceu até o supermercado que ficava no mesmo prédio que a pensão, mas na parte térrea, a qual dava para calçada.

Acho que vou chegar mais cedo ao encontro... Marina nem é tão bonita assim, antes, seu charme compensava, mas de uns tempos pra cá, tá tão sem graça, as mesmas brincadeiras infantis, que por sua vez a torna ridícula, pois já tem 35 anos. Não combina e isso me faz lembrar o quanto ela é solitária, carente. O que posso fazer? Me agride! Será que ela me ama porque sou o que sou, ou porque não há mais nenhum outro que a deseje? Quando a conheci, estava com um carinha... Mas que tipo de cara era esse? Respeitável?
Acho que vou comprar chocolates... Estou com saudades de Marina.

Na gôndola de doces, enquanto escolhia o chocolate, sentiu algo tocar-lhe as pernas, pensou que fosse algum animal, cachorro, gato, ao olhar para baixo, viu que era uma criança, um belo garotinho de cabelos encaracolados, deveria ter uns seis anos de idade, seus olhos eram grandes e divertidos, certamente confundira Pedro com o seu pai, mas mesmo reconhecendo que aquele não o era, ali ficou, sorrindo, preso às pernas do estranho. Gosta de doces?

- Não acredito! Pedro?, disse um homem corpulento, barbudo, que aproximou-se da criança e a pegou no colo.
Pedro ficou calado por alguns segundos olhando o estranho, até que no mesmo momento que se lembrara dele – um colega de mestrado – retraiu-se com vergonha:
- Marcos?
- Puxa, rapaz! Quanto tempo! Você sumiu, disse que ia mudar de cidade, para o sul, ajudar o seu irmão, não é?
Com uma barra de chocolate nas mãos, Pedro evitava olhar para o colega, aliás, não se lembrava de ter dito aquilo, provavelmente inventara essa história para se livrar de cobranças.
- É. Voltei o ano passado...
- E o que tem feito?
- Feito? Estou pensando em retomar o mestrado – tossiu, para encobrir o nervosismo – e por enquanto, estou trabalhando em um sebo aqui perto. Eu e mais um amigo...
- Sócios?
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-Gostaria do endereço, preciso comprar uns clássicos e no sebo, geralmente, é mais em conta, apesar de que... Dependendo do sebo...
- E você, o que tem feito?
- Olha para isso! – e com o filho no colo, passou a mão na cabeça do menino . Cresceu, né? Dá um trabalho e gasta, nossa! Mas viemos ao mundo para dar o lugar para os nossos continuarem, não? Tenho dado aulas no pós, sou orientador, escrevo umas coisas aqui, outras ali, às vezes freelo em uma editora, dou assessoria a centros de documentação, enfim, tudo orbitando nas questões do trabalho...
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-Esse chocolate é pro seu filho?
- Não. Não tenho filhos.
- Casou?
- Não. Não.
- Namorando?
- Sempre.
- Ei, Pedrão! Bom, vou nessa que o filhote já está impaciente.
Abraçaram-se, Pedro despediu-se da criança com um beijo em sua mãozinha e como um búfalo que vai se tornando minúsculo no horizonte a distância de seu observador, Marcos foi sumindo da vista de Pedro, encaminhando-se ao caixa, brincando com o seu filho que estava choramingando.

De volta ao quarto, Pedro olhou para o relógio, faltavam cinquenta minutos, comeu o chocolate, deitou na cama e resolveu cochilar um pouco, daria tempo de chegar ao encontro, não tinha preocupação quanto a isso, pois Marina sempre chegava atrasada. Tirou os sapatos, puxou o lençol e deitou-se de bruço, estava se sentido estranho, o encontro com o amigo o pertubara, a sensação era de descrédito para com todos, começando com ele mesmo, depois com o amigo, com o filho do amigo, Marina, seu quarto – Jamais retomarei o mestrado, um porre! -, as revistas de literatura, o sebo, D. Alice, a História, o chocolate... E como uma névoa de inseticida, as sensações, os pensamentos e as lembranças, foram aglutinando-se e pulverizarando tudo que estava relacionado à sua vida. Encolheu-se, sentindo-se extremamente cansado, fechou os olhos, adormeceu e sonhou:

Uma mulher de cabelo comprido, grisalho, usando galochas imbricava-se entre as árvores do quintal. Era finalzinho de tarde, fazia frio mesmo havendo sol, que mais servia para desenhar um tapete de luz e sombra na terra, do que aquecer.
Dentro do quarto, ele calçava seus sapatos, admirou-se de já estar vestido, será que havia dormido de roupa? Olhou para escrivaninha ao lado, aproximou-se, havia livros de etnografia abertos, com anotações no canto da página, logo acima máscaras africanas, assim como fotos de crianças sobre bicicletas. Sentiu-se extremamente feliz, sabia que aquilo tudo era seu, olhou para trás, havia uma ampla cama de casal e sentiu falta de alguém, descobriu-se casado e amando, foi até o criado-mudo e pegou o porta-retrato, no qual havia uma foto preto e branca de um jovem casal, uma brisa gélida entrou pela janela, as cortinas esvoaçaram à semelhança de garças elegantes, na sacada, o barulho delicado de um mensageiro do vento.
A mulher da foto era linda, cabelos compridos, escuros, seu olhar era brilhante como de uma criança ansiosa a ganhar um presente, conheceram-se na casa de amigos em comum.
Ele acabara de mudar para aquele país, ainda estava aprendendo francês, ela,liberta, comunicativa - o que colaborou para que se apaixonasse imediatamente : Como fala francês bem! E riu de si mesmo, porque era óbvio que ela falava bem francês, era francesa – fez com que se aproximasse daquela jovem de cabelos longos, que usava um casaco xadrez , o qual provavelmente era de sua época de adolescência. Seu nome, Jeanne. Ela pintava, tirava fotos e, despretensiosamente, trabalhava em uma boulangeries, fazendo tortas.
Desceu as escadas que davam para o hall de entrada, estava com saudades dela, parecia que não a via há anos, atravessou a sala, acendeu algumas luminárias sem deixar de admirar a decoração aconchegante da casa até que, apertando os passos, desembocou no quintal, no qual havia um amplo jardim – amoras silvestres, uma densa grama escura, pequenos abacaxis plantados rente ao chão, arbustos, tomateiros, dentes - de –leão, alamandas – e trôpego, tirou de sua frente uma espreguiçadeira, que atrapalhava a passagem para ir ao encontro de sua esposa.
- Onde está?
Ela foi se aproximando silenciosa, com o rosto um pouco sujo e em suas mãos, segurava ervas-daninhas.
- Está chorando de novo? Não gosto de te ver assim, se continuar desse jeito, teremos que fazer alguma coisa...
- Ressucitar meu filho?, bravejou, jogando as plantas no chão.
Fazia um ano que haviam perdido um de seus filhos, o caçula, eram férias e o jovem nem precisou insistir muito para passar uma temporada com seus amigos na Espanha, partiu com apenas uma mochila nas costas. Três dias depois , o casal recebeu um telefonema, era uma senhora que com muita dificuldade falava francês, disse que o menino – le garçon – estava no hospital. Correram até lá e receberam a notícia do falecimento, a altura do rochedo até o mar era demasiada, a água recuou e a morte foi imediata.

- Adianta ficar assim? Seus outros filhos estão sentindo a sua falta, seus netos... Vamos fazer geléia agora?
Colocou os braços ao redor de seu pescoço, Jeanne chorava, limpou as suas lágrimas e beijou seu homem.
- Vamos deitar um pouco nas espreguiçadeiras? A noite adentrava, seria um refrigério para suas almas ficarem ali, juntos. Com duas tristezas no seu coração: a dele e da mulher que amava, ele fixou o olhar nas galochas de sua esposa e rapidamente muniu-se de toda coragem para enfrentar a vida: Como era um enorme prazer estar ao lado dela! Enquanto seus amigos escolheram doutoras, modistas, psicanalistas, ele havia encontrado um tesouro maior: uma pequena incansável que lia madrugada a fora Peter Pan para seus filhos, rindo com eles, divertindo-se, mas também a ponto de tirar férias da família, quando a impediam de sê-la, no início isso pareceu assustador, mas se era para ele continuar a ter aquele brilho nos olhos – e assim o era – deveria partir para voltar, e de fato ela ficava fora uma semana, pegava o barquinho e passava tardes na lagoa ali perto, onde tinham à margem uma pequena cabana, falavam por telefone e dali mesmo ela dava instruções de como arrumar os uniformes dos meninos todas às noites, para que eles ao levantarem já os vestissem.
- Às vezes , me culpo pela morte dele, acho que nunca deveria ter saído de perto, digo com relação às minhas férias – e quando pronunciou essa palavra, prolongou-a para tirar qualquer peso que pudesse massacrá-la.
- Nunca ouvi tanta besteira de uma vez só!
Beijaram-se. As luzes das lamparinas das salas foram apagadas, balbucio de crianças ecoavam dos cômodos da casa.

Pedro acordou sobressaltado, da rua vinha um barulho, sonolento, permaneceu deitado alguns segundos: Que sonho estranho! Confuso, levantou-se lentamente, foi até a janela, olhou para baixo: dois meninos andavam de bicicleta, voltou para cama, sentou-se à beira, ficou ali, coçando a cabeça, fisgando algumas imagens do sonho: a esposa, seu quarto, o filho que morrera. Quem seria ela? E aquele outro Pedro que desconhecia? O país distante, o corredor, a vida que era sua, desejada, com todas as suas pegadas, o porta-retrato... A mulher. Sentiu saudade daquilo que não teve, ou teve? Está por perto? Não havia ninguém por perto: as revistas espalhadas no chão, o encontro com Marina, que não amava e que infelizmente, ambos sabiam disso. Que horas são? Teria que sair de casa imediatamente, mas não havia forças para isso, a solidão o cercara, talvez ligasse para o irmão que morava no sul, olhou para o telefone, levantou e decidido foi atrás dos seus:

- Quem fala?
- Beto.
- Beto? Que voz de homem, rapaz!
- Quem é?
- Teu tio de São Paulo, Pedro, lembra?
- Tio? Claro! Quanto tempo? Como tá?
- Bem. Estou com saudade de vocês.
- Saudade? Não sabe da maior: vou prestar vestibular para História, acredita?
- História? Vai virar professor , é?
- Não sei ainda o que vou virar...
.....................................
- E o que tem feito?
- Caído no mar! Como sempre!
- Caído no mar?
- É pegando onda, essas coisas...
- Gosta do mar...
- Muito tio.
- Tome cuidado, não é perigoso?
- Claro que não!
- Sei...
.............................................
- O pai tá por ai?
- Acabou de sair da oficina, tá procurando funcionário, o que tínhamos saiu ontem...
- E como anda o resto?
- Minha mãe? Tá bem.
(riram ao mesmo tempo)
- Ligo amanhã para falar com teu pai.
- Ok.
- Boa sorte no vestibular. Parabéns pela escolha.
- Certo...

Desligou o telefone, como seria fácil ir ao encontro de Marina se não tivesse tido aquele sonho, como seria fácil de estar ao lado dela se não tivesse ouvido seu sobrinho falar que iria prestar História, se não soubesse o quanto aquele amava o mar e se não soubesse que houve e havia possibilidades invisíveis ao seu redor, mas que, por pura crueldade a si mesmo nunca as amou e ainda não as ama. A noite iniciava, Pedro colocou os sapatos e saiu do quarto ao encontro de sua namorada. Estou com saudades.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

DESENLACE

Ela acordou sufocada ao lado dele
Ele, liberto, ao lado dela
Ela tinha medo do pesadelo que aquilo podia se tornar
Ele, sabia: ela era um sonho realizado
Ela tinha medo de dormir e se perder
Ele, sabia que o melhor viria ao acordar
Ela estava preocupada, questionando-se
Ela, era a melhor reposta da vida, a ele
O prender das mãos a aprisionava
O abraço dela, o encorajava
Ela tinha medo de entregar-se
Ele, estava feliz em recebê-la
Ela, se fechava como ostra
Ele, a via como a própria pérola

Eles assim lado a lado
Ele e ela sem elos
Mas consigo

Ivete Irene