quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

FOLHA DE BORDO

DE BETTY FREEMAN

Eu que sonho que a moça é jovem
e é linda na bola vermelha de Natal.
O vestido dela é bonito que nem cisne.
O cisne flutua com suas plumas brancas, finas
quando sua cabeça macia de neve
flutua embaixo para ser como a neve de novo.
Então eu queria ser uma mulher como aquela uma,
ser com uma asa bem longa.

domingo, 20 de dezembro de 2009

DESPERTAR

"Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão/Pelo menos, com a primavera, retornam com estrondo". Sylvia Plath


Por alguns instantes, retornou a olhar-se, no espelho. O dia estava, extremamente, convidativo para um passeio primaveril. Mas decidiu ficar assim: admirando-se em seu próprio mistério. Lembrou-se, com certa vergonha e raiva, o que haviam dito para ela quando, aos 14 anos, ficava meditativa, em seu quarto, com dois livros intermináveis, os quais lhe traziam alguma dificuldade na leitura: Retrato do Artista quando jovem e Mrs. Dolloway, mas que os compreendia com o coração. Disseram asperamente: "Você se acha muito sabida, né? Onde pensa que vai aprendendo a não ser nada?". Queria fugir dali, daquele momento. Aquelas palavras continham apenas uma parte da verdade. De fato, ela não queria ser nada. Gostava da ideia de crescer como uma árvore frondosa, apenas cultivando para si bons sentimentos, pensamentos, ideais, não era ambiciosa como haviam lhe ensinado desde pequena. Mas como dizer isso às pessoas? Que desejava ser como as àrvores? A internariam, num hospício. Mas essa era a sua resposta para o mundo. Sentiu raiva de si mesma e de sua irmã, que havia lhe machucado com aquelas palavras.
"Será que saio para dar uma volta pelo bairro?". O rapaz que conhecera há pouco tempo prometeu ligar mais à noitinha, para irem ao cinema. Gostou dele. Era um rapaz simples, que poderia ser uma companhia interessante para os dias de solidão, mas ainda não era quem sabia que guardava dentro de si: o cara, que apareceu entre tantos e foi embora sem dizer nada, na festa, mas que sua presença a tranquilizava como uma lembrança da infância mais doce. E ele, provavelmente, nem lembrava mais dela, mas ela sabia onde ele morava, o que fazia e inclusive quem amava.
Penteou o cabelo. Estava comprido. Precisava cortar, ao menos as pontas. Decidiu fazer uma trança como as garotas de uma fotógrafa que gostava demais. O dia diluia lá fora e ela queria apenas ficar assim: gastando-se em si mesma, mas nada de embotamento, ao contrário era a celebração da sua solidão. Gostava de habitar-se na ilha que supunha-se ser. Mistério à parte, queria apenas tornar-se frondosa como um jequitibá. Imaginou a irmã entrando no banheiro e falando, novamente, para ela: "Você se acha muito sabida, né? Onde pensa que vai aprendendo a não ser nada?". Sentiu-se confusa e triste. Mas encarou-se, no espelho, e disse para si: "A sabida virou uma escritora." Na clínica, descobriu que o nome disso era complexo e que eles faziam parte do que somos e que deveríamos tomar uma posição de responsabilidade a eles. E ela devolveu ao mundo de maneira sábia o que lhe oprimia, no íntimo, com suas leituras e sua poética. Foi a saída de sobrevivência da alma."Será bom sair com esse rapaz, ao menos me distrairei. Preciso esquecer quem me fez esquecer de mim mesma. Como no filme: viver por amor e não morrer por amor". O penteado o agradaria? Pois não havia nada mais delicioso do que sair com um homem, sentindo-se bela, fresca e esperançosa. "É como quando pegamos os peixes, na beira do rio, e os colocamos de volta na água." Olhou seu corpo, no espelho, e concluiu que o tempo a fizera muito bem. Quando adolescente, não tinha consciência da sua beleza e sensualidade particular, nem da sua inteligência, daí viver introvertida, ensimesmada, inclusive, ridicularizando a si mesma e aqueles que a ameaçavam como os seus modos de viver. Sem tempo para o nada.
Agora, era outra, e o seu coração generoso desculpava quem lhe havia machucado, sem compreendê-la. Desde criança era tida como diferente demais e todas as tentativas de adequação, que fizera foram frustrantes: quando ensinavam a ela um jeito eficiente de escrever, ela vinha com um livro feito à mão; quando pediam para desenhar uma casa, ela desenhava uma cabana, no meio da floresta; quando pediam para costurar um botão, bordava um pássaro, no bolso. Demorou muito tempo para descobrir o que a fazia, realmente, feliz e tudo que tinha em mãos agora era simples e genuíno, forte como o café que fazia todas as manhãs.
Lembrou-se de um sonho que teve, em um período de emergência psíquica - pessoas ao seu lado, em um trabalho burocrático, ameaçavam sua vida criativa, impondo-lhe um jeito estreito de ver um problema a ser solucionado: à noite, quem apareceu para ela foi a cantora Nina Simone, que mostrava o caminho para safar-se dessa situação, apresentou-lhe um homem branco de barba ruiva como se fosse seu pai e que este estava traindo sua mãe, que arrumava uma cozinha, obsessivamente, com ela, a cantora de blues. Acordou sobressaltada, mas sentiu-se equilibrada.
"Não importa o tempo que levei para chegar aqui DENTRO de mim, cheguei." Maquiou-se devagar. Passou delineador, nos olhos, e um batom pêssego assentou-se à sua boca pequenina. Mudou de ideia, daria uma volta pelo bairro, compraria umas flores para enfeitar a casa e à noite daria chance a amar, novamente.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

PRELÚDIO ÀQUELA QUE ME AGUARDA

Começo a dizer: tudo valeu muito a pena e continua valendo. Ser o que se é, sempre. Viver o seu destino, a sua grande viagem para dentro de si, para aquele lugar seguro, silencioso. Estou chegando. É a música que me acompanha, diariamente. São as leituras feitas, na clandestinidade, que dão a pista da criação do meu mundo. Sou mulher, criadora, sopro a vida com o desejo de a ver exuberante e nessa caminhada, alguém gritou, no escuro: "Merece ser muito amada, mto mesmo...". Olhei para trás e pegadas foram deixadas por alguém que já está lá frente me aguardando. Coragem: abra a porta do seu coração, escute a respiração daqueles que já estão cochilando sob as árvores. Olhe para o céu: uma revoada de pássaros desenha o símbolo de sua carne, celebrando mais um encontro com a sua própria alma.

sábado, 5 de dezembro de 2009

UM TIPO ESPECIAL

Um tempo de delicadeza era o que o desejava, enquanto arrumava as suas roupas e a de seus filhos, na cômoda. Uma passagem secreta, em alguma gaveta? Esse era o seu grande dilema, desde pequenininha. Sumir da aridez do cotidiano. Não nasceu para o que haviam delegado a ela: casamento, trabalho burocrático, sorrir para os vizinhos, mas agora já era tarde, havia preenchido todo o protocolo e, no fundo, queria apenas ser mais simples do que era, achava desnecessário todo o barulho feito pelo marido, pelas crianças, pelos vizinhos, pela televisão... Mas isso não significava que não amava a sua vida. Amava e muito, mas com culpa pois sabia-se distante, às vezes, quando ficava sozinha em casa descobria-se alheia a tudo o que construiu e como tática para sobreviver inventou uma história: ela era uma estrangeira que estava passando uns dias, na casa de uma família muito amorosa que precisava dela. Assim, encaixava-se, quando as coisas ficavam críticas. Queria um tempo outro, pois ficar à toa não era permitido, aos olhos dos outros, e quando faminta corria até o baú de sua juventude para beber de uma fonte vigorosa, recuava pois seria, no final, extremamente doloroso. Era o que já foi, mas ansiava por aquilo que não sabia. Uma vez, até sentiu vontade de perguntar para uma amiga, o seguinte: Já teve vontade de não sei o quê? De deixar tudo? De viver outra vida? Mas ao invés disso, serviu mais café e comentou sobre o penteado da nova estação. Como se traia!
O marido a amava, demasiadamente, mas não a percebia, achava-a graciosa, espontânea e, em alguns momentos, suas excentricidades o envergonhava, mas ela era bonita e elegante o suficiente para ele se encantar até o fim de sua vida. Ela gostava de ler poesia. Ele via televisão. Ela gostava de perambular à toa pelo centro da cidade, de olhar, minuciosamente, para as porcelanas chinesas, adivinhando seus mistérios. Ele dormia depois do almoço. E assim se amavam, mas cada dia que passava desejava alguém com quem pudesse contar seus pensamentos, suas ideias, mostrar seus mimos, alguém que pudesse entendê-la e assim a fazer se sentir viva, reconhecida, na sua essência, que nem mesmo ousava explorá-la. Sentada, com as camisetas dos filhos no colo, fechou a gaveta e a passagem secreta foi bordar pásssaros, naquelas roupas de linho. Ficou assim: encantada, consigo mesma, no paliativo da criação, esperando, esperando voar para bem longe.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

"Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." (Antoine de Saint-Exupéry)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

UN COEUR DU PETITE FILLE

Faz dias que me perdi ao te encontrar. Suspeitei, na esquina de teu olhar, a dúvida secreta de nosso destino atado a duros nós. "Gracinha!", disse sorrateiro, ganhava-me enquanto perdia-me.
Que desespero ter a consciência de saber que vivemos um breve sonho. Você não é quem eu imaginava que fosse e nem eu sou mais aquela que me tinha. O desdém vai se tornando cada vez mais feroz. No ponto exato da carne macia. Novos estranhos que acabam de se conhecer: ouçam! promessas de vida a dois.
Balela de amor!, disse com a boca cheia de bebida,
e eu que nunca fui tão certa de mim: sorri e voltei a delirar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

PENSAR... PENSAR...

Descobri que uma das coisas que mais amo é o pensamento. Amo pensar. Por isso amo ler. O pensamento é uma coisa muito engraçada, ele pode ser um devaneio esteta, um insight que te salva, mas também pode ser longo, sistematizado e difícil. Organizado. Com continuidade rigorosa. É por isso que amo os livros, desde a capa à contra-capa, pois são os pensamentos concretos, possíveis de se manusear, dos escritores, psicanalistas, artistas plásticos, professores, que mais admiro. É incrível: é a representação do mapa da vida de cada um, através do qual navegeu para construir sua teoria, e é por isso que tem que ser convidativo, até corajoso, para irmos juntos a lugares difícies, mas acima de tudo tem que ser belo. Por isso amo Dostoiévsky. Portanto, eu só embarco depois de sacar o humano por trás disso tudo, pois não deve haver uma frieza de raciocínio, um egoísmo de gênio, uma falta de ética para com a cultura humana, ao contrário, o pensamento, representado, na escrita, garante-me se deixo, ou não ser fisgada, e para isso, Barthes já dizia: é necessário que se crie uma zona de sedução entre o leitor e o autor, é necessário dragar o leitor! Enfim, eu adoro pensar, por isso amo ler, tanto quanto correr de manhãzinha, na Sumaré, ouvindo a trilha sonora da Amélie Poulain, Bill Callaghan, Phoenix, Hurtmold, Flamming Lips, John Frusciante, Bob Marley, etc. Mas isso já é outra história.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

VALEU A PENA?

(...)
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

CANSADA DE PERGUNTAR: por quê?

Tem uma hora que descobrimos a inutilidade de fazer perguntas. Viva. Agora. O banquete está servido. Mas ficamos cegos com tanto embaraço, que cultivamos, ao longo da vida. Apenas sinta a brisa. Aos poucos, voltamos a enxergar, a ouvir e falar corretamente e isso se faz com o coração.

A CEIFADORA

Eu gosto de tirar carta de tarot, na internet. Acho interessante e respeito todo o ritual, que indicam, no cabeçalho: respire fundo, peça orientação para o seu dia, leia com atenção. Hoje, tirei a morte. O ceifador. Não fiquei surpresa, pois de fato é dela que preciso, nesse momento, de minha vida. Preciso desapegar-me de coisas que não fazem mais sentido: o passado, os sentimentos, as sensações, as buscas incompletas que não têm muito a ver com o que eu anseio - mesmo não tendo isso muito claro. Mas intuitivamente, sei por onde caminhar, como todos nós, no fundo, sabemos. Mas é necessário coragem e amor. Dar adeus e deixar as cascas cairem para irmos ao encontro do que viemos, nem sempre é fácil. O que virá em seguida? Temos que, simplesmente, acreditar. Eu, que sou budista, busco ver a morte como mais um fato da vida. Uma passagem. E numa observação mais micro, vejo que a morte está presente em tudo, não só quando deixamos de fato de viver. Ela está, principalmente, quando temos que dar adeus a padrões que não nos cabe mais, quando temos que, por mais estranho que pareça, dar adeus a algumas pessoas que amamos e quando temos que aguentar o peso de escolhas, que no início não parecem ser plenas de sentido, mas aos poucos as coisas vão se delineado. Isso é morrer e renascer. E esse convite é feito a nós todos os dias.
A vida é um jardim de fato. Por isso, ultimamente, tenho observado mais as flores, as gramas, as árvores, etc. Acho que por isso o nome desse blog é my pillow is the grass. Temos que cuidar do nosso jardim todos os dias e cultivar estados mentais e sentimentos positivos. Sei que não é fácil. Mas não temos que banir a sombra, nem o contrário: fazermos apologia a ela, a fim de encontrarmos sentido aquilo que nos fere - é uma maneira de lidar com a dor. Acho que o mais simples- como tudo na vida - é o mais difícil de fazer, ou seja, deixarmos ela ser o que é e integrá-la da forma mais adequada. E isso nem sempre é fácil. Quando cai as máscaras e vemos o nosso lado sombrio, temos vontade de nos abandonar. E o que é o feio? Nossa solidão, nossos preconceitos, nossas infantilidades, nossos ódios, nossa fraqueza, nossa mesquinharia, nosso egoísmo, nossa falta de amor para com nós e os outros... Queremos negar isso. Mas isso também faz parte da vida, o que fazer então? Acho que o desafio é ficar com isso também. Observar. Buscar não se envolver. Amar e transmutar. Acredito no potencial infinito de transformação do homem. Estamos aqui para aprender a viver, mas também para aprender a morrer. Tem uma autora, a qual dá a seguinte dica: pergunte o que tem que morrer em sua vida e o que tem que viver todos os dias. Uma boa dica. Quero dar adeus a alguns obstáculos, que eu mesma criei. Não há mais algoz e nem vítima, e nem, na clínica, atualmente, se busca isso. A responsabilidade é: o que faremos daqui para frente? Eu, devagarinho, quero aprender a viver, morrer e renascer. E vocês? Já pensaram, em dar adeus, hoje?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

AMOTROPOFAGIA

Dou-lhe um pedacinho de mim, para que, distante, no teu planeta, possas sentar, no alpendre, de tua cabana noturna e provar escondido o que pensei e senti, nesses últimos dias, que fiquei longe de ti. Antropofagia. Talvez, se tiveres sorte, como fazes com a folha de coca, me possuirás debaixo de tua língua, provando o frescor de minha alma, que ao vislumbrar teu corpo foge de mim como um pássaro feito de pensamentos.

Não sei que parte lhe oferecer, receio te entregar o meu fel: tristes morcegos que esperam o anoitecer, para se amarem escondidos e celebrarem a liberdade de suas naturezas. Continuaria me amando se mordesses essa parte? Amar é ficar com. E aguentamos ficar com, à medida que conseguimos ficar CONosco. Conheces teus morcegos? Sei que vou, com meus sentimentos e pensamentos, em lugares que poucos vão. Meu fôlego é o vento que soprou as caravelas, que vagaram o mundo, no passado, na expectativa de encontrar novas terras. Sou abissal. Continuaria me amando?

Mas sabes que não sou apenas isso, minha doçura infantil é o que lhe encantou. Uma ingenuidade que, sinceramente, nem eu mesma acredito que ela ainda resiste. Acredito e pronto. Sorriu e pronto. Queres essa parte? Não. Darei a ti o que senti, quando acordei ao teu lado. Foi uma festa descobrir-me em ti, enquanto dormia dizia a mim mesma: essa é a minha Verdade.

E então se ficares com esse pedaço de mim, a lembrança desse dia será, como fui, a pessoa mais feliz do mundo.

sábado, 31 de outubro de 2009

MOTIMISTÉRIO

(um poema sobre a breviedade dos segundos contidos na vida)

A cada célula vibrada pela fricção corpo-realidade uma descarga de energia transforma a minha alma e a matéria.
É nesse momento que, ingenuamente, ainda penso fugir da breviedade da vida chamando.
Tudo indica que o grande lance é ficar na tensão do vazio.
O importante é saber que os segundos encadeados: os tristes, os felizes, os retumbantes e os silenciosos é o que fazem a vida ser o que se mostra: Una. Redonda.
E é por isso que todos somos preciosos e que, em breve, chegará às nossas portas, com os ventos da bem-aventurança, nossos filhos, agradecendo o destemor de termos sido, desde o início, generosos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

OLHANDO PRA VOCÊS...

Ser mais do que se pode conhecer e nomear. Viver um dia de cada vez é a tática que estabeleci, para não me surpreender demais comigo mesma, pois quando as pessoas me fazem lembrar que existo, através de uma conversa prosaica, atualizo-me como uma mulher civilizada.
Por que falo de mim como se fosse uma bárbara? Uma selvagem? Seria apenas uma fixação obsessiva por uma ideia excêntrica, que me põe em evidência para mim mesma, em segredo? Ou seria de fato a fidelidade a um mundo, de onde vim e que, desde há muito tempo sinto saudade de estar próximo dele, como se eu carregasse dentro do meu coração uma floresta com uma clareira, onde posso sentar-me e observar os pássaros?

Não sei. Desisto em descobrir e em segredos fantasiosos caminho entre os transeutes, vou à feira, compro tomates robustos. O homem que me atende entrega o troco como se fosse para uma jovem madame. Encontro de supetão uma amiga, que desde longe sorri como um gato astuto, torno-me para ela, imediatamente, uma estátua grega, meu dorso se eleva, minha voz infantil esconde no praquejo a ansiedade do encontro. Ela sabe de onde eu vim. Compreende o que talvez nem eu mesma compreendo e isso nos fascina. Os bons encontros são aqueles em que uma pessoa observa a outra, como se aquela estivesse alguns degraus abaixo e que portanto é possível enxergar toda a mandala de sua vida, tatuada na coroa de sua cabeça. E ela me vê assim e eu a vejo do mesmo jeito.

Na sacola, as ervilhas tortas são exprimidas pelos tomates e pelas cenouras. E isso me faz lembrar o beijo dele, que era doce, que me deu febre, que me fez temer perder a vida, pois quem ama sabe: a fogueira trepida, a música vem de altos tambores, o céu noturno é cravejado de estrelas e a alma deseja galopar até cansar e desmaiar longe do corpo.

Podemos tomar um café qualquer dia desses, o que acha? Respondo que sim. Sem problema nenhum. Tempo não me falta, pensei, pois no isolamento, no qual me encontro, nesses últimos meses, como uma bruxa-megera perdida em livros, seria extremamente saudável ver pessoas. Dividir sorrisos. Olhar o fluxo da vida na sua incessante vida-morte-vida: crianças comprando bombons como se fossem diamantes, mães desligando o alarme do carro, para guardarem as compras de supermercado no banco de trás (pobres mulheres!, acreditam na previsibilidade da vida), cachorros puxando velinhos ,que já não estão mais conosco... E assim vai e vamos, aceito o convite e volto para casa, para a minha clandestinidade, onde posso somar as contas do aluguel e da luz feliz, por ter me domado mais um dia.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

MÚSICA

Definitivamente, tem música que é tão linda que me deixa assustada! Estou me referindo à Wisconsin do Bon Iver. Fico assim: perplexa. A lentidão da música. O vocal com seus agudos repentinos e os sussurros. Até parece música de igreja - no bom sentido. Mas ao invés de ser um reverendo insosso, temos um homem recluso que toca para uma plateia que precisa voltar a crer em si mesma. Sem pieguismo. É linda! Vale a pena ouvir! Ouçam e completem com o que quiserem, a música tem lá seus cinco minutinhos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

DUAS DONZELAS PREPARADAS PARA O FRONT

Preparavam-se para sair todas as noites de primavera.
Qualquer esquina. Qualquer botequim.
O importante era - e Baudelaire foi o precursor ao falar sobre isso - o estilo: quem tem, tem. Quem não tem, amém.
O imprescindível portanto, é preparar-se sempre.
Não importa para onde vamos ou quanto tempo ficaremos.
E lá foram e vamos todos desfilando.

domingo, 18 de outubro de 2009

Here comes the sun...

O dia está lindo. É domingo. Já caminhei pela manhã, não perdi a oportunidade de tomar um sorvete e de comprar flores. Pensei em muita gente, principalmente, as que amo e que a grande maioria, nesse momento, está longe de mim. Senti saudades. Solidão. Mas o sol brilhava sobre a minha cabeça e das pessoas ao meu redor. Parei em uma barraquinha, na qual uma senhora vendia minimuringas de porcelana, que podemos usar como colar, fiquei indecisa, qual levar?, ou a de pássaro ou a de gato, escolhi a primeira, estava mais bonita. A manhã diluía na tarde que chegava quente. Transeuntes na Paulista desfilavam suas roupas extravagantes. Muitas pernas de fora. Sorrisos apreensivos, cheiro de fritura ao redor das barracas de comida e claro, na esquina, alguém lendo tarot. Pensei: Acho que está apaixonado. Olhei para o seu rosto, sorria.
O que estaria fazendo as pessoas que amo, nesse exato momento? Cada um levando a sua vida a seu modo. Com seus mistérios. Com seus desejos, sonhos e frustrações. Ao chegar em casa, abri a minha caixa de e-mail e uma amiga havia escrito: Pessoal, estou grávida!

Que bênção!, disse entusiasmada para mim mesma. Eles estão preparados para isso. Mas nem sempre é assim. Nem sempre as coisas se encaixam. E de repente, me senti triste. Pois é, nem sempre o sol sai. Olhei para meu altar budista, as flores que eu havia comprado para oferecer aos meus ancestrais e a Budha Shakyamuni estavam impecáveis! Reluzentes! Pensei novamente, nas pessoas que amo e dediquei a oração do dia a elas, que deveriam estar derrentendo-se nos seus afezeres, nos seus tédios, nos seus sentimentos, nas suas sensações, nos seus cenários...


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Henri-Cartier Bresson

Ontem, sai com uma amigona. Fomos ver a exposição do Henri-Cartier Bresson, no Sesc Pinheiros. Em uma das salas, estava passando um documentário sobre ele e que portanto, pude conhecer um pouco mais sobre esse homem admirável.
Olha, ele é admirável não só pelo artista completo que foi, mas acima de tudo pela sua alma, através de seu olhar e sorrisos fugidios foi possível perceber a candura de sua personalidade, a jovialidade, a rebeldia que o fez se tornar invisível e ao mesmo tempo presente. Pois é. Ele detestava a fama, dizia que esta acorrentava o homem e que este acima de tudo deve ser livre. E não foi isso que suas fotos revelaram? Um olhar presente, um enquadramento respeitoso que flagrava cenas do cotidiano de forma pulgente e fluída: o aqui está para o lá, o embaixo está para o acima, o direito está para o esquerdo e vice-versa e que para tanto apenas um homem que fazia da liberdade sua religião poderia dinamizar em negativos essa realidade mutável e cheia de acasos?

Um cena extremamante poética é ele caminhando com sua Leica - a máquina fotográfica - em uma trilha no meio do campo. O entrevistador pergunta: "Por que você foge das perguntas mais difíceis?" Tinha um jeito muito simples de viver. Sempre dava o fora. Saia andando. E disse: "Não tenho medo da morte, mas da dor." Cobria o rosto, ou seja, um homem com pudor.

Vale a pena conferir. Quem não conhece, deveria. Admirável.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

AGORA


"O vento, num dia radioso, certa vez chamou. "

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um pequenino coração partido...

Quando ele disse: "Acho que está na hora de você partir.", ela preferiu desconversar, como uma criança tamborilou os dedos na cantoneira da sala. A música era uma que havia acabado de ouvir no rádio. "Acho que está na hora de você sumir." Sumir? Aquilo era enfático demais. Não daria conta de disfarçar o que sentia, pois sumir é forte demais para quem ainda quer ficar, para quem ainda ama e quem ama diz: Sumir? Talvez. Ainda tinha esperança. Continuou tamborilando na contoneira da sala a música que ouvira, no rádio, sem perceber que a porta estava aberta.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

UM DOS MEUS DESENHOS...

Gosto muito de casa. De desenho de casa. De imaginar a minha própria casa - a futura. De ver revistas de casa. De colocar no sandplay - técnica de projeção de miniaturas sobre tanques de areia - casas. No geral, coloridas, simples, mas amplas. E foi assim, que ontem, antes de começar as minhas leituras de metodologia qualitativa, desanuvei desenhando sobre a cama uma casa de campo - se é como as de Combray em Em busca do tempo perdido do Marcel Proust? Ou a casa de Ema Bovary em Madame Bovary do Flaubert? Ou a casa da infância de Yambo em A misteriosa chama da rainha Loana de Umberto Eco? Não sei.

Acho mesmo que o desenho está mais próximo das casas que o Tim Burton buscou expressar em O Peixe Grande do que os exemplos que citei acima. O importante é que fiquei satisfeita com o meu desenho. Saiu com a minha carinha. Tentei desenhar um entardecer e claro, uma grama para eu fazer de travesseiro e percebam: ali, no canto esquerdo, tem um carneirinho. Carpe Diem!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

JORNADA DA ALMA

Olha, ontem eu ouvi uma coisa muito bacana sobre mim. É estranho, pois assim que a pessoa falou, distanciei-me de mim mesma, achando que eu fosse outra pessoa. "Ela que é cheia de méritos, de esforços e coragem. Eu, eu não." O que é isso? Princípio de esquizofrênia? Não. É a capacidade do ser humano de distanciar de si mesmo, para não ter um atitude responsiva perante a vida. E no meu caso, fiz isso por conta de uma timidez que beira à sacanagem de não me dar amor próprio.
A pessoa disse: "O desenrolar da sua vida está bonito...". Eu olhei para ela, porque tinha acabado de contar algo triste, chato, que me amola desde que me conheço por gente, mas já não fere mais e disse:"Bonito?" E ela: "É". E sorriu. Levantei da cadeira e fui embora feliz, começando a me reconhecer com aquilo que sempre quis.

Estranho. Tanta coisa mudou nesses últimos anos, que às vezes nem me reconheço. É isso que é estar próximo do Self? Pretensão. Isso é nome chic para falar: "Cansei, quero paz, quero ser o que sou e sempre serei". Tenho estado muito calminha. Mas de qualquer jeito, dando o nome de "expressão de Self" ou de "cansei, quero paz", o fato é que a alma pede uma jornada.

E a respeito disso, esses dias aqui, em casa, vi com umas amigas um filme bacana: A jornada da alma, que conta a história de Sabina Spielrein, uma paciente do Jung, que sofria de histeria e que foi curada a ponto de se tornar uma psicanalista.

Até aqui excepcional, mas ainda não toca o coração. Até que certa hora no filme, uma das personagens - a pesquisadora que vai resgatar a história dessa mulher selvagem - diz: "Ela jogou limpo o tempo todo." Aí sim. Aí o conteúdo cabeção caiu por chão e o que entrou em cena foi a história de uma mulher que lutou lutou lutou contra todas as repressões que infringiram à sua alma.

Uma cena linda? Ela e o Jung dançando no refeitório, com os loucos ao redor. Dançando, dançando, enamorando-se - acreditem, os dois tiveram um caso amoroso longo e feliz, mas depois cada um tomou o seu rumo.

Uma vida bonita. Ela casou, teve filhos e construiu uma creche para crianças extremamente avançada para época. As crianças tinham total liberdade de se expressarem e a relação com o corpo era algo apresentado desde muito cedo, para que todos pudessem ter uma relação com a sexualidade sem tantos tabus.

A jornada da alma. Tem uma frase do Jung que é mais ou menos assim: "Quando duas personalidades se encontram e ocorrem uma química entre elas, não tem jeito, as duas pessoas saem transformadas" Acho que os encontros são para isso. Acho que estamos no mundo para isso. Mas tem que haver o toque, uma alma em outra. E foi assim, que depois de ouvir essa pessoa comecei a me sacanear menos e me dar alguns méritos. Não roubarei mais energia de mim mesma! Assim como Sabina, continuarei a jogar limpo! Se é pra gritar, eu grito. Se é pra chorar, eu choro. Se é pra amar, eu amo. Se é pra viver, eu vivo!

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

"Se eu prefiro os gatos aos cães é porque não existem gatos policiais."
Jean Cocteau

NA NOITE PASSADA...

Enxerguei a minha miséria, começo a me aproximar dela, coisa que antes fugia , mesmo sabendo que esse não era o caminho mais sensato. Mas quem não faz isso? Quem às vezes não suporta olhar para si mesmo, achando-se precário - e de fato todos somos cheinhos de imperfeição. Mas também passei da fase do martírio, agora, é a fase da aceitação, não a resignação cínica, mas a tentativa de acolher aquilo que preferia não saber. De aceitar o pacote inteiro que é a Vida. De me ajudar, porque assim só eu e quem está ao meu redor poderá ser mais pleno. Precisamos uns dos outros. E eu não etendo muito de relações humanas... Você entende?

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

ODE A CHARLIE

Aproveitar para escrever, enquanto o cérebro está fresquinho. Acabei de acordar. Já ia caminhar na av. Sumaré, mas a garoazinha, que surgiu enquanto eu tomava o meu café, estragou o meu plano. Hoje, o post poderia ser sobre alguma coisa extraordinária, mas não é. Está tudo indo em uma frequência constante, apesar de algumas vacilações. Somos seres humanos e não máquinas, mas até estas se desestabilizam.
Então, hoje, quero apenas falar de Charlotte - minha gata.
Ela tem uma vida boa. Vejam, nesse momento a bichana está sobre a televisão olhando para fora da janela os pássaros que estão no telhada da casa vizinha. Não tem vontade de fugir? De cair no mundo selvagem da vida além apto.? Ela é como eu: tímida demais, inclusive chego a ser mais ousada que o pobre animalzinho, que quando percebe que estou ansiosa, começa a fazer xixi para fora da bandeja.
Ela é séria, doce, infantil, dengosa e arisca. Mas de todas as suas qualidades a que mais amo, além da sua fidelidade, é ser contemplativa. A gatinha para e fica olhando: o teto, os bichinhos e por vezes o invisível!
Acho que existe vantagens na monotonia do dia-a-dia - não disse apatia! - dá para curtir mais as pequenas coisas, os objetos da casa se envolvem de uma aura especial e a rotina pode se tornar uma grande aventura para quem tem um coração como o meu e o da Charlotte.

Parou de chover, mas não irei à Sumaré, me bateu uma baita preguiça e Charlie pende um dengo!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

EU VOU...

Matisse hoje / Aujourd'hui
De 05 de setembro a 01 de novembro de 2009

Pela primeira vez no Brasil, e na América Latina, exposição individual de Henri Matisse (Le Cateau-Cambrésis, França, 1869 – Nice, França, 1954), um dos mais destacados artistas do século XX. A mostra exibe cerca de 80 obras que integram importantes coleções públicas e privadas, da França e do Brasil.

Sábado próximo, estou me programando para ir à Pinacoteca. Parece legal a exposição de Henri Matisse. Eu, desde que conheci o impressionismo - meu pintor predileto o Cézanne - comecei a me atrever um pouquinho mais, no mundinho das artes plásticas, e foi aí que me deparei com o Matisse. Com o fauvismo. Eu, que adoro cores quentes - por isso também gosto de Gauguin - fiquei enlouquecida, quando vi as telas de Matisse. O meu papel de parede do computador é um quadro de Matisse. Lindo! Vermelho. Uma casa, mesas, quadros, cadeiras... E então, a fim de ver mais umas coisinhas desse pintor, dei uma navegada, na internet, e encontrei essa tela, a qual está linkada, no presente post. Não é linda? A sensualidade despojada. A languidez dessa felina! O retrato desse cotidiano transpira simplicidade. O que ela acabou de fazer? O que está pensando? Seu cabelo está assentado. Seu olhar está fatigado. Sua pele parece macia.

Vou dar um pulo até a Pinacoteca e depois conto a vocês o que vi.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A chuva chegando...

Voltar aos mesmos lugares, mas agora diferente. Digo, lugares dentro de si mesmo. No momento, mais paciente. A yoga ajuda, garanto. A análise ajuda, garanto. O budismo ajuda, garanto. As revelações dos sonhos noturnos ajudam, garanto. A leitura do horóscopo confunde, confesso. E cheia de esperança - a verdadeira, não a euforia embasada em fantasias - acredito que é possível encontrar. A esperança que nos leva a objetivos realizáveis. Sei que vai, que virá. Mas, vamos sem otimismo piegas, elegantes no intento - como a mocinha do filme, ué, ela sabe que ele a ama, então ela vive distraída, apenas a fé na retidão daquilo que é direito. Tenho que me lembrar disso, quando me sentir só: seja uma luz pra si mesma - sempre. Então fica contigo. Transforma-te com muito amor. Reverbere o seu sonho. Qual? Segredos que meus olhos já revelam para quem olha para o mesmo lugar. Portanto, sem mais esperar, me levanto da grama enquanto a chuva cai e escorre pelo meus rosto...

domingo, 30 de agosto de 2009

UMA LONGA CAMINHADA

Aos 17 anos sai do interior de São Paulo, Araçatuba, para fazer faculdade de hotelaria. Se era isso o que eu queria para minha vida? Não sei. Ou melhor, não sabia e nesse pouco saber encarei com coragem e ingenuidade a mudança de deixar uma cidade de 180 mil habitantes para uma de 11 milhões. Mas é claro que não media as diferenças dessas duas realidades assim. Media com coração os exageros de uma - São Paulo - e a pequenês da outra - Araçatuba.
A av. Paulista era grande demais comparada à av. Brasília, que nem sequer tinha aqueles prédios empresarias e bancos, assim como imensa era a saudade que sentia por ter deixado família, amigos e namorado.
Trocar a proximidade de tudo - de ir a um lugar a outro - foi mais fácil aceitar do que trocar um jeito de ser. Pois é, não é que houve uma troca, na verdade, houve um desnudamento de alma. No segundo ano de São Paulo, percebi que o interior sempre foi muito pequenino para mim, digo com relação às minhas ânsias. Lá sofria por não saber o que me faltava, o que apenas somente com a minha vinda para cá - estou na capital paulista, atualmente - pude identificar: no geral, os espaços e as pessoas.
A adolescência cinza que tive em Araçatuba - tirando o valor das amizades - estendeu-se até mais tarde, em São Paulo, mas, nesse momento, colorida regada à baladinhas undergrounds, cinemas cults, leituras noturnas, amores felizes e conturbados, momentos excitantes e de solidão e incompreensão de si mesma profunda. Mas sabia: aqui, é o meu lugar. E daqui não tiro o pé. E nem a mão. E nem o ouvido. E nem o coração. E comecei a botar a prova tudo o que eu amava: o curso de Letras, os espaços que me faziam muito bem - baladenhas, bares, museus, lojas de roupas e livrarias - as pessoas que amei, as perdas e as conquistas, para ver no que daria e deu... EM MIM, no que me tornei.
Continuo achando que aqui é o meu lugar: que o trabalho que tanto almejo acontecerá aqui, que o homem com quem dividirei um sonho de ter uma família também está aqui - não sei onde, talvez já o conheça, talvez não - , que o jardim, no qual poderei ficar estendida com a Charlotte lendo um livro, também está aqui.
Araçatuba é legal. Mas não me comporta. Não que eu seja ambiciosa, mas já sei - as coisas cada dia que passa estão se tornando mais claras - do que preciso, do que alimenta meu espírito e isso só São Paulo pode me dar. Merci São Paulo!

sábado, 29 de agosto de 2009

RODA DA VIDA

Engraçado. Nos dois últimos posts, havia uma euforia otimista a tudo que tenho realizado e realizarei. Hoje, e, nos últimos dias, tenho sentido um receio da vida. Receio? Um pouco ansiosa, surpresa com o desenrolar das coisas e às vezes, com algumas dúvidas. Estou fazendo as escolhas certas? Para onde estou indo? Procuro respirar e continuar caminhando. Definitivamente, viver é um mistério. Sei que isso está muito próximo a uma mística de botequim, mas sinceramente, tudo isso ultrapassa o meu entendimento. Digo: viver. Não sei de fato o que me faz ter a identidade que tenho. Muitas vezes opto pelo difícil, pois sei que somente passando por isso amadurecerei e terei uma vida mais plena à frente, com a minha cara. Só que, às vezes, isso se torna uma névoa. Como dar forma a algo que apenas sentimos e ficar no grau zero da vida? Aceitá-la, caminhar e desfrutar ao máximo de todos os momentos.
Acho que nisso tudo, descobrimos valores incomensuráveis como: a amizade, a família, o amor, a esperença, a fé, a compaixão, a alegria, a benevolência e claro: a ousadia - sempre. E nesses momentos é uma dádiva termos alguém que nos acolhe, que ri das nossas atrapalhadas e é nesse momento que descobrimos que não estamos sozinhos nesse mundão de meu Deus! Que tem uma torcida atrás de você dizendo: vai, você está quase lá... Lá?
Sim. Mais perto do seu sonhos, mínimos que sejam, mas valiosos e que só você sabe.
A vida é rica, cada dia é uma possibilidade de desabrocharmos e lidarmos com os nossos sentimentos de maneira diferente. O receio? Quem não tem? Mas faço dele o combústivel para a minha estrela dançar!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Feeling Good

Sabe, ultimamente, a vida está sendo extremamente generosa comigo. Nem falo tanto de algumas conquistas, mas de algo misterioso que vem de dentro da alma. Sinto um frescor, é como se eu tivesse caminhado durante a noite toda, até que quando o dia amanheceu -uma linda aurora! - me deparei com um riacho e por estar cansada, me deitei à sua margem, encostando os dedos na água, sentindo o frescor invardir-me, enquanto borboletas sobrevovam a minha cabeça.
Assim, quando ouço Feeling Good, na voz de Nina Simone, minha alma parece transbordar, é como se viesse à tona a lembrança de um lugar desconhecido, mas sei que já o habitei e agora, estou a caminho de volta. Portanto, deem uma olhadinha na letra para verem se não tem tudo a ver. Se der, baixem a música, é linda.

Feeling Good

Birds flying high you know how I feel
Sun in the sky you know how I feel
Reeds driftin on by you know how I feel
(refrain:)
Its a new dawn
Its a new day
Its a new life
For me
And Im feeling good
Fish in the sea you know how I feel
River running free you know how I feel
Blossom in the tree you know how I feel
(refrain)
Dragonfly out in the sun you know what I mean, dont you know
Butterflies all havin fun you know what I mean
Sleep in peace when day is done
Thats what I mean
And this old world is a new world
And a bold world
For me
Stars when you shine you know how I feel
Scent of the pine you know how I feel
Oh freedom is mine
And I know how I feel

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Oriente e a minha vida...

Comecei a Yoga faz duas semanas. Um barato. De início, fiquei bem receosa, havia algumas posições - como a de jogar a perna todinha para trás, encostando os pés no chão - que realmente me metiam medo. Mas me permiti. Assim como, aceitei de uns tempos pra cá, que o meu espírito reage mais ao budismo do que ao cristianismo.
Na verdade, o ano passado todinho li muito sobre o budismo, visitei alguns centros de dharmas e templos, até que por fim resolvi praticar o culto aos meus ancestrais em casa mesmo, o qual é necessário a leitura do Sutra do Lótus para se obter as realizações e o desenvolvimento interno.
Acho realmente interessante o fato de me sentir mais próxima da sensibilidade do oriental - do asiático - do que do ocidental quanto à espiritualidade - mesmo tendo um pai, filho de japoneses -, pois, em casa, apenas o catolicismo era praticado por minha mãe que tem ascedência italiana.
Acredito que Deus é um só, assim como nós somos UM no que concerne às questões mais essenciais, mas quando tenho que pesar como responder ao Universo meu compromisso para com ele, acabo por reagir como uma asiática: as questões de carma, do bem e do mal, a Vida/Morte, as sucessivas existências, etc.
Assim, quando iniciei as aulas de Yoga, o cheiro do incenso, o Puja (transmissão de energia), os mantras, a música indiana e algumas passagens da filosofia da Vydia Yoga Asharam me soaram muito coerentes.
Os exercícios de respiração são fantásticos (os pránáyamas), assim como as posições psicofísicas (os ásanas) e a cada aula o estranhamento vai dando lugar a concentração e a sensação de bem-estar. Algumas contorções da coluna são um desafio, mas quando o corpo se encaixa e você para de lutar contra o sofrimento e o aceita com paciência - prestando atenção na respiração - você fica mais alerta a entender um pouquinho mais sobre si mesmo e o seu corpo.
Hoje, ao fazer uma posição, a lateroflexão, foi surpreendente como o meu corpo respondeu a ela. A professora foi até mim, forçou um pouco mais a contorção - pensei que ia morrer ! - até que de repente: puxa! Não é que estava me sentindo bem? E tornando-me consciente de que posso ultrapassar algumas barreiras? Que barato.
A aula termina com visualizações bem positivas, como a da aula passada que tivemos que imaginar um lugar que mais gostamos de ficar e ali fazermos algo que realmente gostaríamos de estar realizando.
É isso. Aí eu coloco os sapatos, dou tchau pro pessoal - até semana que vem... - vou ao supermercado e compro flores para colocar, no altar budista. E assim, o Oriente vai ganhando espaço, cada vez mais, na minha vida.

Namu Myôhô Rengue Kyô.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

CONQUISTAS...

Hoje, tive a resposta do pessoal da secretaria da Pós-Graduação da PUC/SP. Pois é: consegui a bolsa do mestrado. Uau! Como estou feliz! Lembro-me de, exatamente, no ano passado, estar sentada, em frente do computador da A Cor da Letra, esboçando o meu pré-projeto. Para quem não sabe, a minha área de atuação de trabalho está relacionada à leitura, principalmente, a literária.
Em 2008, participei como técnica do projeto Prazer em Ler - Escolas Públicas, que tinha como objetivo capacitar professores, coordenadores e alunos como mediadores de leitura a partir de uma perpectiva cultural e não meramente alfabetizadora.
A experiência que tive foi tão rica, assim como os encontros com as pessoas durante esse ano, que seria uma grande burrada não transformar isso em mestrado. Então, pouco a pouco, após voltar de um longo dia de trabalho - pois fiquei responsável em acompanhar 9 escolas do extremo sul de São Paulo - esboçava sobre a minha escrivaninha os problemas relacionados à leitura literária, os quais gostaria de compreender, com mais profundidade, em uma pesquisa.
O fruto foi tornando-se maduro. Encorpado. Viçoso. Passei no mestrado, ampliei o projeto para concorrer a bolsa e, agora, graças a Deus, fui contemplada.
Acho isso tão interessante: a inquietação, nas aulas de literatura - sempre questionava alguns métodos - me levou a ser técnica do Prazer em Ler-Escolas Públicas, assim como aluna ouvinte no Programa de Linguística Aplicada da PUC/SP em leitura e letramento, para posteriormente confluir o conhecimento teórico com o prático, transformando-o em projeto de mestrado.
Uma coisinha dentro de outra que leva à outra e assim por diante... Como as bonequinhas russas que tanto amo!
Repito sempre a frase de uma pessoa, a qual tenho uma afinidade espiritual considerável: "O que é teu é teu, ninguém tira. Apenas te prepara para vivê-lo com sabedoria! Integra-te".
É isso. Não vejo a hora das aulas começarem. Da vidinha acadêmica desenrolar... Viver o que tenho que viver, aprender, ensinar.

Good Luck !

domingo, 9 de agosto de 2009

HISTÓRIAS...

"As histórias são bálsamos medicinais. Achei as histórias interessantes desde que ouvi minha primeira. Elas têm uma força! Não exigem que se faça nada, que se seja nada, que se aja de nenhum modo - basta que prestemos atenção. A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias. Nas histórias estão incrustadas instruções que nos orientam a respeito das complexidades da vida. As histórias nos permitem entender a necessidade de reerguer um arquétipo submerso e os meios para realizar essa tarefa."
Clarissa Pinkola Estés

Ontem, fui à livraria da Vila parabenizar uma amiga letreira. Com o título de Contos de irmãos: histórias de coragem, aventura e astúcia, Ana Carolina Carvalho, Lili, iniciou-se como escritora nos presenteando com algumas histórias de irmãos. Diferente das que conhecemos, as histórias escolhidas por Lili tratam do relacionamento fraterno a partir da união, solidariedade e cumplicidade.
Os contos estão divididos, em três eixos: Um pouco como João, um pouco como Maria; Cuidado com a madrasta!; e Diga-me teu nome e te direi que és. No primeiro eixo, os contos são do Peru, Angola e Portugal, como introduz a própria autora: "Nestes três contos, você vai se emocionar e sentir uma pontinha de medo com as histórias de irmãos que se perdem na floresta. Em meio a tamanha aventura, eles precisam se unir para sobreviver e vencer os perigos da selva, as maldades de uma bruxa e de outras criaturas fantásticas".
No segundo eixo, os contos são do Brasil e da Itália: "Nestes contos, duas duplas de irmãos enfrentam um perigo que mora sob o mesmo teto. Como muitos enteados dos contos de fadas, os irmãos destas histórias não tiveram nenhuma sorte com o segundo casamento do pai e penaram nas mãos de madrastas nem um pouco maternais."
No terceiro eixo, os contos são da China e da Sibéria: "São dois contos de regiões quase vizinhas. E de famílias muito particulares, pois, em cada uma delas, os irmãos fazem juz ao nome que têm: cada um carrega na identidade o poder que lhes salvará a vida, proporcionando caça em dias gelados de inverno ou recuperando a dignidade perante um imperador cheio de ganância e sem nenhuma razão."
Achei bárbara a lacuna temática escolhida por Lili. Em tempos como os nossos, retomar virtudes, como a coragem, aventura e astúcia perpassadas pela fraternidade, nas histórias, é de extrema importância, afinal, uma andorinha só não faz verão!
Como dedicatória escreveu: "Para querida Ariane, são as histórias, afinal, que nos fazem todos irmãos." E de fato é. Para mim, as boas histórias nos colocam no mesmo chão psíquico-espiritual: o leitor pobre, o rico, o homem, a mulher, a criança, o ignorante, o intelectual - não importa quem esteja lendo - encontrará na narrativa uma experiência comum: os medos que precisam ser ultrapassados, os amores que precisam ser vividos, a injustiça que precisa ser denunciada, o que nos faz lembrar que todos somos UM, seja na Angola, Brasil, China, Itália, Sibéria, Peru e Portugal.
Histórias são mapas do nosso próprio coração e do outro. Requer atenção generosa e disponibilidade para acolher os imprevistos - nem sempre é gostoso nos indentificarmos com algumas passagens da narrativa. Mas são elas que nos alertam dos perigos da vida, que nos faz lembrar como devemos proceder diante de um conflito e o mais importante: que a vida é um processo ad infinitum de aprendizado.

SUGESTÃO DE LEITURA: Contos de irmãos: histórias de coragem, aventura e astúcia de Ana Carolina Carvalho, ed. Moderna

sábado, 8 de agosto de 2009

TPM...

Confessemos: tem dia que acordamos um cocô. Foi o sonho que não foi bacana. A conta bancária que encurtou de repente - mesmo no início do mês. A resposta lacônica de quem você mais gosta ao telefone. A família distante. A descoberta de um quilo e meio a mais na balança, entre outras coisinhas que vão somando-se silenciosas até você dizer: chegaaaaaaaaaa! Aí, eu começo: querida, sem alarmes, a vida continua mansa mansa... Como um boi pastando. Como uma foca se rastejando. Como o cochilo do bebê.
Aí, eu paro: recomeço. Suspiro. Charlotte me olha aflita. Vou à cozinha, preparo um café, de repente escuto alguém me chamando no msn: vai ao sair hoje à noite, ou não? Ai, quanta indelicadeza! Vai sair hoje à noite, ou não? É necessário expressar-se assim?
Dizem que sou sensível demais. Carente demais. Espero demais. Vivo demais. Exagero demais. Mas puxa!: custa um: oi? você está bem? faz tempo que não te vejo, gostaria de lhe ver hoje à noite... Enfim, sou do time que embrulha os sentimentos em folha de papel manteiga. Dos que escutam a história alheia como uma epopeia. Dos que sofrem com os outros mesmo estes muitas vezes nem saberem que estão sofrendo. Sei que não deveria cobrar nada, mas às vezes é duro, muito duro e o mínimo que se quer é compartilhar mimos, atenções generosas, flertes com o nada que é tudo quando se está em comunhão de espíritos. Enfim, são delicadezas mínimas que fazem a alma revigorar. Não. Não vou. Porque sou birrenta. Rebelde. Saliente: acho que estamos nos de-se-qui-li-bran-do... E o dia torna-se mais arrastado. Todo torto. Solitário. Silencioso. Charlotte dorme: como é bom ser gato - já combinei com ela, na próxima encarnação, ela é que será a minha dona! Sento em frente do computador, começo a trabalhar. Como o dinheiro tá curto... Aí eu recomeço: querida, sempre foi assim! A vida continua mansa mansa... Como sementes de feijão aconchegadas no algodão. Começo a rir da minha rabujice! Toca o telefone, vou até o quarto, na parede de casa, no mural de recados, encontro a seguinte frase: A esperança é como âncora para a nossa vida (HB: 6, 19). É início de noite, atendo o telefone que nem para mim é. Anoto o recado, enquanto a frase na parede ainda está inaudível. Ligo a televisão e espero o dia de amanhã.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Já se sentiram assim?

Abrigando, dentro de si, uma noite escura estrelada, inspirando uma brisa noturna, que torna o calor da primavera delicioso? Caminhando sem rumo até encontrar uma árvore frondosa e, como uma criança ao ver a matriarca da família, rende-se a aninhar-se na confiança que nos torna mais quentes: raízes viçosas? Despertando para o amor de um homem capaz de reconhecer os diamantes cravados em seu peito? Cavalgando na escuridão, mas sendo guiada por um cão dourado que alguns metros à frente prenuncia o caminho da sua bem-aventurança? Embalando seu filho recém-nascido, que dorme os mistérios dos anjos? Esnobando distração por ser protegida pelos espíritos de seus ancestrais? Festejando, ao redor de fogueiras, em pujas tibetanos, com mulheres primitivas, o início do verão?
Tudo! Tudo e mais. Dentro de si. Enquanto, cava-se, cava-se adentrando-se em seu próprio mundo subterrâneo. A denúncia? O brilho dos olhos que confessa a exuberância de estar próxima à natureza selvagem.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Together Through Life - Bob Dylan

O último álbum do Bob Dylan está bem bacana. Mais do mesmo: blues e sua voz rouquíssima. Se busca novidade, não encontrará. Se busca experiência de um som raiz, aquilo que constituiu sua trajetória artistística, você será muito feliz. Gostoso de ouvir no finalzinho da tarde, tomando uma Salinas. Portanto, honesto. Há bandolim, trompete e banjo, mas não me pergunte onde, porque aí já é demais. Li isso em uma resenha e acho que não tem por que o jornalista mentir, né? É.
Entretanto, o que eu gostaria de compartilhar com vocês é a faixa Theme Town Radio Hour (interview recorded in Studio B). Bob Dylan é o entrevistado e a partir do leitmotiv friends & neighbords passa por todas suas influências. Os comentários são acolhedores, há citação de Oscar Wilde e Niezstche sobre a amizade. É como um papinho na esquina com um amigo bem humorado. Bom de ouvir enquanto se faz a janta: uma sopinha, uma canja.

Lá vai:

Howdy Neighbor" (J. Morris) – Porter Wagoner & The Wagonmasters
"Don't Take Everybody to Be Your Friend" (M.Gabler/R. Tharpe) – Sister Rosetta Tharpe
"Diamonds Are a Girl's Best Friend" (L. Robin/J. Styne) – T-Bone Burnett
"La Valse de Amitie" (O. Guidry) – Doc Guidry
"Make Friends" (E. Mcgraw) – Moon Mulligan
"My Next Door Neighbor" (J. McCain) – Jerry McCain
"Let's Invite Them Over" (O. Wheeler) – George Jones & Melba Montgomery
"My Friends" (C. Burnett/S. Ling) – Howlin' Wolf
"Last Night" (W. Jones) – Little Walter
"You've Got a Friend" (C. King) – Carole King
"Bad Neighborhood" (Caronna/M. Rebennack) – Ronnie & The Delinquents
"Neighbours" (M. Jagger/K. Richards) – The Rolling Stones
"Too Many Parties and Too Many Pals" (B. Rose/M. Dixon/R. Henderson) – Hank Williams
"Why Can't We Be Friends" (S. Allen/H. Brown/M. Dickerson/J. Goldstein/L. Jordan /C. Miller/H. Scott/L. Oskar) – War

É isso. Por hoje é só.

domingo, 26 de julho de 2009

DOMINGO...

Uma tigela de minestrone fumegante. Dois brioches e um minicroissant. O domingo cai noite adentro. Ele te ama? Você o ama? Pão para aliviar a ansiedade. O aconchego dos vapores, no rechaud, salvam aquelas duas audaciosas que colocaram o pé para fora de casa e foram à padaria recém-aberta do bairro. Garoava. Mas ele te ama? Você o ama? Uma pausa para o expresso. A cereja do bolo de chocolate denucia o rubor de quem descobre não saber amar. É melhor engolir rápido! São tempos sombrios em que sentimentar é perigoso! Quer metade da cereja? Silêncio. Há delicadeza no compartilhar. Uma solidão em frente a outra aquece o inaquecido. São palavras rápidas que buscam dar apoio: calma, temos a vida toda pela frente! O tilintar dos talheres mistura-se ao meu próprio ruminar: Será? Será? Tilim-tilim. Precisamos comprar pão para amanhã, quantos? Quatro? É. Tigelas vazias, migalhas espalhadas pela mesa e a expectativa que não passa, pois há sempre esperança para quem teve o coração desterrado. Quer experimentar o bolo de fubá cremoso? Hum-hum... Come-se bem. Come-se muito para passar o tempo. Come-se desnecessariamente para tapar quem se tapeia. Gostei! Podemos levar quando alguém for nos visitar... Mas quem me visitaria? Quem tocaria à minha porta para me levar ao cinema? Ver uma nouvelle vague? Para eu poder simplesmente dizer: O que eu mais gosto nesses filmes é o barulho dos sapatos das mocinhas quando elas correm... Tac-tac-tac. O domingo se esvai. Subimos a rua. Perdizes todo vê o Fantástico. E as duas audaciosas voltam para casa com os cabelos molhados. Tac-tac-tac.

O CORAÇÃO...

Ainda me lembro. Morava na Monte Alegre, quando fui à casa de um vizinho bater um papo. Em cima de sua mesa - em meio a bagunça - deparei-me com um recorte de revista. O que é isso? Era um dos bordados do Leonilson, o Voilà mon couer [Here is my heart] . Fiquei embasbacada e isso foi tão nítido, que ele me deu a figura. Não tardou muito, entrei na internet e fiz uma breve pesquisa sobre a sua obra. Como me trespassaram!

"O pequeno Voilá mon couer mede 22x30 cm consiste num pedaço de lona pintada de tinta acrílica dourada, com uma fina tira horizontal de feltro acinzentado em sua borda superior. Bordados na lona com linha azul clara, há vinte pingentes de cristal lapidado, sobras de um candelabro quebrado. Sem chassi, o trabalho tem três furos na borda de feltro - um no canto esquerdo, outro no canto direito e um terceiro ao centro - que permitem seu proprietário pendurá-lo por pregos numa parede."

Era tão frágil. Aquilo era extremamente, precioso.Os cristais pareciam lágrimas. Era obscena a sinceridade daquela obra, começando pelo título Voilà mon coeur! Aqui está o meu coração! A exposição dos sentimentos mais íntimos, sinceros e profundos. Cheguei a colar na parede do meu quarto durante um tempo a figura que ganhei.

Aos poucos, fui conhecendo um pouco mais de sua obra. Cheguei inclusive a conhecer a sua irmã, fui até o Projeto Leonilson, que ficava na Vila Mariana. Vi sua coleção de brinquedos, mais bordados e telas. Sua irmã disse que ele sempre perguntava: - O que achou disso? E mostrava uma criação. Ela respondia: - Não entendo muito de arte. Ele: - Não importa, você precisa apenas ver se gostou ou não.

O caráter intimista, subjetivo de sua obra, de expressão identitária me agrada demais. Alguns borados em voil são de uma delicadeza que assemelha a uma entrega súplica de apaziguamento de tormentas, tal como o O Pescador de pérolas. Entre tantas outras.

Ontem, com dois amigos em casa, comendo um bom macarrão, folheamos o livro São tantas as verdades do Leonilson. Vale a pena, conhecer sua obra!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

UNIVERSO CASA...

O dia-a-dia não me agride mais. Até gosto. Acho que a loucura por dias diferentes ficou na adolescência. Agora, acordo ansiosa para tomar uma xícara de café, para fazer o pão com manteiga na frigideira, para dar atenção devida a Charlotte que não sossega, enquanto não formos juntas até a cozinha - como ela é carente!: miauu!
Na rotina, o imprevisto é frugal. É também delicado como uma flor que vai se abrindo pouco a pouco. É bem recebido como um bebê prematuro e que portanto, ansiamos ainda mais para tê-lo nos braços.

Um exemplo disso: ontem, ao sair do banho, ainda enrolada à toalha recebi um telefonema: "Você freela? Faz revisão?" Eu: "Sim". A pessoa: "Posso te encaminhar um texto de quatro páginas?" Eu: "Claro!" E assim foi, combinamos os trâmites e o preço. A garota que me ligara era minha vizinha, morava pertinho do Colégio São Domingos, ao lado da PUC. Até então não imaginava que tipo de texto seria e na verdade, isso nunca me incomodou, mas como eu disse a vocês - o imprevisto é frugal - quando abri a minha caixa de e-mail: Bumm! Deparei-me com um texto sobre Fluxus! Sobre Ben Vautier! Era um relato sobre o encontro da garota com ele em Nice. Desde os telefonemas feitos no Brasil até o início da entrevista feita a caminho da casa do artista. Muito interessante! Entretanto, estava tarde demais e deixei para começar o trabalho no dia seguinte cedinho, no qual Charlotte, com o bigode na minha cara fatalmente me acordaria: vamos tomar o café! Já são 7h30! E levantaríamos sonâmbulas. E foi exatamente esse o roteiro.

A sexta amanheceu cinza, garoando. Mas só de saber que trabalharia em casa, que poderia ficar de pijama na frente do computador, nossa!, o tempo tornou o apartamento ainda mais aconchegante. Finalizei o freela, na hora do almoço, e fui até a casa da garota. Fora o pagamento, ganhei um band-aid - um trabalho artístico intitulado PARA CUIDAR - escrito Staff Only, que tem como proposta dar para alguém que você queira proteger. Muito bacana!

Depois, com o guarda-chuva a tira colo fui ao supermercado, voltei para casa e fiz o meu almoço. À tarde, houve mais um imprevisto, mas este ainda é uma florzinha preguiçosa que está se abrindo... ou melhor, tem a alegria de filhotes de cachorro gordinhos que correm pela sala da casa e tentam entrar dentro do guarda-roupa!

terça-feira, 21 de julho de 2009

O QUE NÃO SE ENCAIXA NUNCA EM NADA - por isso genial!

Recebi por e-mail um link com o site atualizado do Sr. Tim Burton. Deem uma olhadinha, vale a pena! O bacana é o garotinho caminhando pela galeria todo assustado. Um dia vou dissecar para vocês o universo bizarro do Tim Burton! Cheio de sensibilidade e crítica às atitudes mais desumanas e quem, injustamente, paga o pato sempre é o proscrito. O diferente. O exilado.

The Official Tim Burton Gallery
now open at http://timburton.com/

Deem uma olhadinha, vale a pena!

BALBULETEANDO por Lucélia Guimarães


Não serei como os entendidos desse conhecimento, dessa técnica (eles tem mais responsabilidades), só falarei com o coração, com o mais sincero sentimento que brota da alma e anseia compartilhar...
Estou ainda sob o efeito da criação do balbuleteando, onde queriamos (Ariane, Le e eu) exprimir no convite o que aguardavámos desse momento. Senti necessidade de escrever para extravasar esse sentimento que me atormentava, no bom sentido. Mostrar o universo “casa” (tema do convite), cada canto, cada símbolo, cada significado...
Assim como Proust temos um espaço que nos separa por instantes, por horas, do mundo, de nós mesmos, mas temos também o que nos uni...a cafeteira (pausa para um café) representa um pouco isso, como também as refeições, os momentos dedicados aos filmes, às conversas “desprovidas” de cientificidade, mas permeadas pela ânsia do entendimento. Colocadas para fora numa palavra, numa frase, que pode ser o que nos alegra ou o que nos aflinge: será a busca pela compreensão, diante de tanta incompreensão; será a busca por acolhida, diante de um mundo indiferente...será a busca por entendimento?
Após o intervalo, retornamos ao nosso isolamento, que logo, logo ou a qualquer momento pode ser interrompido pela CHARLOTTE, a Charli, a Cha, a Gorda pedindo atenção, comidinha ou uma massaginha. Ela tem o poder de quebrar a tensão, o estresse, o cansaço...quando se joga na cama com o barrigão pra cima, Nossa Senhora de Nazaré proteja!!!!, o silêncio é quebrado por gargalhadas...ela é CAPAZ de DERRETER qualquer CORAÇÃO. Em tão pouco tempo de convivência fui seduzida, sou seduzida, sou apaixonada por ELA. Ela também faz parte desse universo “casa”.
Esse universo representa um pouco do que é, do que está sendo, do vir a ser dos que nela habitam. Sendo um pouco do que somos ou do que cada um é, e nesse caso, do que sou e, que me estimulou a escrever, a precisar expressar em palavras o que o balbuleteando me causou...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Charlottando...

Charlotto.
Charlottava.
Charlottei.
Charlottara.
Charlottarei.
Charlottarria.
(que) eu charlotte.
(se) eu charlottasse.
(quando) eu charlottar.
charlotta tu.
não charlottes tu.
CHARLOTTAR.
CHARLOTTANDO.
CHARLOTTADO.

domingo, 19 de julho de 2009

CAT POWER


Aconteceu. De verdade. Mais ou menos duas horas de duração. Ela, no palco; eu, na mesa. Isso, isso: senhorita Chan Marshall veio ao Brasil pela terceira vez e, finalmente, pude vê-la, ouvi-la.

De início, estava resistente: "Magina! Não é para tanto, já gostei muito, mas agora, blablabla...". Como no conto de Clarice Lispector, Felicidade Clandestina, fingi que não vivia aquilo para de tempos em tempos me surpreender com tamanha felicidade. Ah, essa minha alma tímida!

Como estava feliz! E os motivos eram tantos: ela, sua banda: Dirty Delta Blues, a minha história pessoal que foi regada a Cat Power durante cinco anos ininterruptos, pois quantas vezes não fiquei ouvindo Covers Records deitada na cama? You are free lavando louça ? Jukebox no trabalho? Moonpix na balada? Estava realmente emocionada.

A Luciana, com quem eu fui, disse que fiquei imóvel o show inteiro, que pendi para os lados, no máximo, duas vezes: ora para me debruçar à mesa, ora para me encostar à cadeira.

Ai, ai. Lembro-me de ficar escrevendo, no chão da sala, no meu apto. da Monte Alegre, as letras de músicas que não vinham no encarte, mas que eu as pegava na internet. Corria ao dicionário e traduzia um trechinho aqui, outro ali. Recortava figuras, para compor ainda mais a arte.

Nossa! E ia até a Augusta, ou a Velvet encomendar os cds importados. Cheguei a aprender a tocar duas musiquinhas no violão, fora o orgulho que tinha de ter uma franja como a dela!

O show foi demais. Eram as luzes vermelhas, azuis, a vela sobre o órgão, a guitarra, a bateria e ela - desculpe a analogia cafona, mas verdadeira - parecendo uma loba andando pelo palco, pois ficava toda encurvada, saltitava e... uivava!

De início, ansiosa, esperava um hitzinho qualquer, para confirmar o quanto sou sua fã, mas as coisas foram acontecendo de modo diferente. Por não conhecer algumas músicas do seu último EP Dark End of the street, me permiti ainda mais ficar perscrutando a atmosfera que ia sendo criada.

Aos poucos, o sentido já era perceptível: não havia escapatória: você tinha que ir com ela para o Hades. Isso mesmo, para o mundo das sombras e ficar um tempinho quieto, para perceber que é dali que nascem as coisas mais importantes, mas que ainda não têm forma: o amor, a alegria, os impulsos das paixões, a intuição que rege um destino, os medos, as mágoas e reviravoltas...

E quem nos disponibilizava isso: senhorita Chan Marshall, com sua voz rouca, possante, que deixou o álcool para tomar chá – qualquer semelhança com a minha vida pessoal é mera coincidência... Mas agora, muito mais segura e atrevida.

Sou fã da sua arte, mas não deixo de admirá-la pela sua vida pessoal. Houve uma época em que decidiu parar de tocar, voltou para Atlanta e ali ficou, até que no meio de uma noite, acordou sobressaltada como se um espírito a tivesse saculejado e produziu de uma tacada só o Moonpix.

Voltou para Nova Iorque e recomeçou. Também não deixo de comparar esse fato com a minha vida pessoal, pois durante um tempo esqueci algumas coisas importantes e tive que retomá-las injetando mais vitalidade à minha alma.

Pois é. Aconteceu de verdade. Ontem, como um caleidoscópio, lembranças da minha história de vida, as músicas, a Chan Marshall (cheguei bem pertinho dela), as luzes, a penumbra quebraram a resistência de quem ama e fingi não amar: "Magina! Não é para tanto, já gostei muito, blablabla..."

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Impaciência Guimarães Rosa (Magma)

I
Eu queria dormir
longamente...
(um sono só...)
Para esperar assim
o divino momento que eu pressinto,
em que hás de ser minha (meu)...
Mas...
e se essa hora
não devesse chegar nunca?...
Se o tempo,
como outras cousas todas,
te separa de mim?!
Então...
ah!, então eu gostaria
que o meu sono,
friíssimo e sem sonhos
(um sono só)
não tivesse mais fim...

II
Se eu pudesse correr pelo tempo afora,
vertigniosamente,
futuro adiante,
saltando tantas horas tediosas,
vazias de ti,
e voar assim até o momento de todos os momentos,
em que hás de ser minha!... (meu!)
Mas...e se esse minuto faltar
nas areias de todas as ampulhetas?...
E se tudo fosse inútil:
a máquina de Wells,
as botas de sete léguas do Gigante?!...
Então...ah!, então eu gostaria
de desviver para trás, dia por dia,
para parar só naquele instante,
e nele ficar, eternamente, prisioneiro...
(Tu sabes, aquele instante em que sorrias
e me fizeste chorar...)

terça-feira, 14 de julho de 2009

1 SARAU BALBULETEANDO

"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é as brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro - dá gosto! A força dele, quando quer - moço! - me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. ELe faz é na lei do mansinho - assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza. A pois: um dia, num curtume, a faquinha minha que eu tinha caiu dentro dum tanque, só caldo de casca de curtir, barbatimão, angico, lá sei. - "Amanhã eu tiro..." - falei, comigo. Porque era de noite, luz nenhuma eu não disputava. Ah, etão, saiba: no outro dia, cedo, a faca, o ferro dela, estava sido roído, quase por metade, por aquela aguinha escura, toda quieta. Deixei, para mais ver. Estala, espoleta! Sabe o que foi? Pois, nessa mesma da tarde, aí: da faquinha só se achava o cabo... O cabo - por não ser de frio metal, mas de chifre de galheiro. Aí está: Deus... Bem, o senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende..."

ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.

1o. SARAU BALBULETEANDO

" De manhã, voltando do parque, quando todos “tinham ido fazer um passeio”, eu me metia na sala de jantar, onde, até a minha distante hora do almoço, ninguém senão a velha Félicie, relativamente silenciosa entraria, de onde teria como companheiros de leitura mais do que os pratos coloridos pendendo nas paredes, o calendário cuja folha da véspera havia sido a pouco arrancada, o pêndulo e o fogo que falam sem pudor que se lhes responda, e cujos suaves propósitos vazios de sentido não substituem – como as palavras dos homens – o sentido das palavras que se leem. "
(Marcel Proust)
No dia 04/07, aconteceu em mi casita um sarau. Lemos: Baudelaire, Bukowski, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos, Manoel Bandeira, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Adélia Prado, Flannery O´Connor, Clarissa Pinkola Estés entre outros. Foi um máximo!

domingo, 14 de junho de 2009

CAMINHANDO...

encontrei a seguinte frase de Saramago:

"Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas".

Não sei onde parei, mas sei que devo continuar, a preciosidade da Vida é um convite para quem abri-se a ela, primeiro, aceitando-a do jeito que é, sem julgamentos, sem vitimizações, depois o recomeço de novas ações que nos trazem mais vida à vida e portanto, felicidade.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Linguagem

Procurar palavras...
Quando não se tem verbo,
o caos recomeça-ruindo;
por isso profissão de fé -
letreira.
Foi a maneira que encontrei
para falar da experiência,

Na linguagem, repouso
a consiciência que por
alguns segundos presumi-se
fazer parte de algo seguro.

Só que tudo é transformação.
Então escrevo: devir, devir.
E a palavra me acolhe no som,
no sentido. Permito.

terça-feira, 7 de abril de 2009

O amor é importante, porra


Caminhando pela Av. Sumaré, encontrei o que é Verdade.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

SONHO

Acordar. Dormir. Acordar. Pegar as revistas que estão sob a cama. Cochilar: “...O ano de 1917, que marca o início da segunda revolução russa, testemunha o- co-me-ço- de- u-ma- ou-tra -his-tó-ri-a- de- ras-tros- pre-sen-tes...”. Cochilar.

Sozinho, num quarto de pensão, o homem dormia escondido, desviando-se de tudo e de todos, fazendo deste momento, uma hora e meia antes do encontro com a namorada, um refúgio das solicitações menores e maiores de sua vida. Ou melhor, das dos outros, pois sabia – e no fundo todos sabiam – que nunca participava de algo que precisasse botar o coração na massa. Coisas simples: passa em casa! Gostaria que conhecesse uma pessoa... Podemos ir juntos, o que acha? Flores? Eu gosto!... Estendendo uma lista de ausências comprida. Desse modo, de tanto insistir, o povo o deixou ser o que queria: um cara bacana, que todos desejavam o bem, mas demasiadamente sossegado. Vamos respeitá-lo, não?

Pedro chegou a dar aulas de História no público e no privado, iniciou um mestrado e para sua surpresa, nos últimos anos de estudo da graduação, inclinou-se à historiografia contemporânea a ponto de desejar estudar a vida íntima dos operários da Barra Funda do início do século passado, especificamente, seus horários de lazer, e, foi assim, na busca de delimitação de corpus, que conheceu a pensão de Dona Alice: janelas que entram sol. Paredes descascadas. Um vaso de gérbera logo à entrada. Cheiro de carne de panela.
Sentiu-se extremamente motivado a mudar-se para lá - Talvez, ficar durante o tempo da coleta seja interessante! Não encarou isso como uma excentricidade, refletiu sobre a distância da pensão às escolas, nas quais lecionava e se desanimou, pois teria que acordar muito cedo, mas então, ao olhar uma morena de cabelos compridos, olhos amendoados, usando um vestido florido verde atravessar a entrada da pensão, perguntando a Dona Alice se havia chegado alguma correspondência, subitamente, encorajou-se a mudar.

Aconteceu que com o tempo foi ficando cada vez mais difícil chegar às escolas no horário, o mestrado, no décimo sétimo mês, estava lhe exigindo demais – estava atrasado nas leituras, não encontrava tempo para a organização dos instrumentos de coleta, do mesmo modo que lhe faltava sujeitos que se dispusessem a ser entrevistados – e Melina, a morena que avistara no dia em que se decidiu mudar, estava lhe cobrando atenção devida, pois havia deixado o namorado do interior para ficar com ele. Assim, Pedro pensou novamente em mudar de casa para se dedicar aos estudos, mas após analisar o que lhe incomodava de fato, resolveu deixar o mestrado e as aulas, negociaria uma demissão para receber o seguro desemprego e resgataria seu fgts, enquanto procuraria um bico no próprio bairro, evitando as queixas de ausência de Melina, a mulher que tanto amava! E assim foi durante três meses, inclusive o casal chegou a planejar um casamento e foi nesse período que lhe pareceu imprudente assumir uma relação. Pedro começou a não voltar para casa depois do trabalho – era vendedor de livros em um sebo. Melina, cansada, retomou os contatos com os seus no interior e para lá voltou, casando-se com o seu ex-namorado.

“... É-a-da-ta-de-nas-ci-men-to-de-Bo-ris-Schnai-der-man. U-cra-ni-a-no-que-che-gou-ao-Bra-sil-aos-oi-to-a-nos-e-le-é...”. A revista antiga o aborreceu, queria ler ensaios sobre os autores russos, não o panorama da literatura atual, gostaria de ler as biografias, as quais contassem coisas banais da vida do artista, para que a genialidade pudesse visitá-lo naquela tardezinha e iluminasse o ordinário. Era um jeito de se aproximar do belo. Mas nada encontrou nesta leitura, e, como facilmente se entediava, jogou a revista de lado para levantar-se da cama, calçou os sapatos, desceu até o supermercado que ficava no mesmo prédio que a pensão, mas na parte térrea, a qual dava para calçada.

Acho que vou chegar mais cedo ao encontro... Marina nem é tão bonita assim, antes, seu charme compensava, mas de uns tempos pra cá, tá tão sem graça, as mesmas brincadeiras infantis, que por sua vez a torna ridícula, pois já tem 35 anos. Não combina e isso me faz lembrar o quanto ela é solitária, carente. O que posso fazer? Me agride! Será que ela me ama porque sou o que sou, ou porque não há mais nenhum outro que a deseje? Quando a conheci, estava com um carinha... Mas que tipo de cara era esse? Respeitável?
Acho que vou comprar chocolates... Estou com saudades de Marina.

Na gôndola de doces, enquanto escolhia o chocolate, sentiu algo tocar-lhe as pernas, pensou que fosse algum animal, cachorro, gato, ao olhar para baixo, viu que era uma criança, um belo garotinho de cabelos encaracolados, deveria ter uns seis anos de idade, seus olhos eram grandes e divertidos, certamente confundira Pedro com o seu pai, mas mesmo reconhecendo que aquele não o era, ali ficou, sorrindo, preso às pernas do estranho. Gosta de doces?

- Não acredito! Pedro?, disse um homem corpulento, barbudo, que aproximou-se da criança e a pegou no colo.
Pedro ficou calado por alguns segundos olhando o estranho, até que no mesmo momento que se lembrara dele – um colega de mestrado – retraiu-se com vergonha:
- Marcos?
- Puxa, rapaz! Quanto tempo! Você sumiu, disse que ia mudar de cidade, para o sul, ajudar o seu irmão, não é?
Com uma barra de chocolate nas mãos, Pedro evitava olhar para o colega, aliás, não se lembrava de ter dito aquilo, provavelmente inventara essa história para se livrar de cobranças.
- É. Voltei o ano passado...
- E o que tem feito?
- Feito? Estou pensando em retomar o mestrado – tossiu, para encobrir o nervosismo – e por enquanto, estou trabalhando em um sebo aqui perto. Eu e mais um amigo...
- Sócios?
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-Gostaria do endereço, preciso comprar uns clássicos e no sebo, geralmente, é mais em conta, apesar de que... Dependendo do sebo...
- E você, o que tem feito?
- Olha para isso! – e com o filho no colo, passou a mão na cabeça do menino . Cresceu, né? Dá um trabalho e gasta, nossa! Mas viemos ao mundo para dar o lugar para os nossos continuarem, não? Tenho dado aulas no pós, sou orientador, escrevo umas coisas aqui, outras ali, às vezes freelo em uma editora, dou assessoria a centros de documentação, enfim, tudo orbitando nas questões do trabalho...
................................
-Esse chocolate é pro seu filho?
- Não. Não tenho filhos.
- Casou?
- Não. Não.
- Namorando?
- Sempre.
- Ei, Pedrão! Bom, vou nessa que o filhote já está impaciente.
Abraçaram-se, Pedro despediu-se da criança com um beijo em sua mãozinha e como um búfalo que vai se tornando minúsculo no horizonte a distância de seu observador, Marcos foi sumindo da vista de Pedro, encaminhando-se ao caixa, brincando com o seu filho que estava choramingando.

De volta ao quarto, Pedro olhou para o relógio, faltavam cinquenta minutos, comeu o chocolate, deitou na cama e resolveu cochilar um pouco, daria tempo de chegar ao encontro, não tinha preocupação quanto a isso, pois Marina sempre chegava atrasada. Tirou os sapatos, puxou o lençol e deitou-se de bruço, estava se sentido estranho, o encontro com o amigo o pertubara, a sensação era de descrédito para com todos, começando com ele mesmo, depois com o amigo, com o filho do amigo, Marina, seu quarto – Jamais retomarei o mestrado, um porre! -, as revistas de literatura, o sebo, D. Alice, a História, o chocolate... E como uma névoa de inseticida, as sensações, os pensamentos e as lembranças, foram aglutinando-se e pulverizarando tudo que estava relacionado à sua vida. Encolheu-se, sentindo-se extremamente cansado, fechou os olhos, adormeceu e sonhou:

Uma mulher de cabelo comprido, grisalho, usando galochas imbricava-se entre as árvores do quintal. Era finalzinho de tarde, fazia frio mesmo havendo sol, que mais servia para desenhar um tapete de luz e sombra na terra, do que aquecer.
Dentro do quarto, ele calçava seus sapatos, admirou-se de já estar vestido, será que havia dormido de roupa? Olhou para escrivaninha ao lado, aproximou-se, havia livros de etnografia abertos, com anotações no canto da página, logo acima máscaras africanas, assim como fotos de crianças sobre bicicletas. Sentiu-se extremamente feliz, sabia que aquilo tudo era seu, olhou para trás, havia uma ampla cama de casal e sentiu falta de alguém, descobriu-se casado e amando, foi até o criado-mudo e pegou o porta-retrato, no qual havia uma foto preto e branca de um jovem casal, uma brisa gélida entrou pela janela, as cortinas esvoaçaram à semelhança de garças elegantes, na sacada, o barulho delicado de um mensageiro do vento.
A mulher da foto era linda, cabelos compridos, escuros, seu olhar era brilhante como de uma criança ansiosa a ganhar um presente, conheceram-se na casa de amigos em comum.
Ele acabara de mudar para aquele país, ainda estava aprendendo francês, ela,liberta, comunicativa - o que colaborou para que se apaixonasse imediatamente : Como fala francês bem! E riu de si mesmo, porque era óbvio que ela falava bem francês, era francesa – fez com que se aproximasse daquela jovem de cabelos longos, que usava um casaco xadrez , o qual provavelmente era de sua época de adolescência. Seu nome, Jeanne. Ela pintava, tirava fotos e, despretensiosamente, trabalhava em uma boulangeries, fazendo tortas.
Desceu as escadas que davam para o hall de entrada, estava com saudades dela, parecia que não a via há anos, atravessou a sala, acendeu algumas luminárias sem deixar de admirar a decoração aconchegante da casa até que, apertando os passos, desembocou no quintal, no qual havia um amplo jardim – amoras silvestres, uma densa grama escura, pequenos abacaxis plantados rente ao chão, arbustos, tomateiros, dentes - de –leão, alamandas – e trôpego, tirou de sua frente uma espreguiçadeira, que atrapalhava a passagem para ir ao encontro de sua esposa.
- Onde está?
Ela foi se aproximando silenciosa, com o rosto um pouco sujo e em suas mãos, segurava ervas-daninhas.
- Está chorando de novo? Não gosto de te ver assim, se continuar desse jeito, teremos que fazer alguma coisa...
- Ressucitar meu filho?, bravejou, jogando as plantas no chão.
Fazia um ano que haviam perdido um de seus filhos, o caçula, eram férias e o jovem nem precisou insistir muito para passar uma temporada com seus amigos na Espanha, partiu com apenas uma mochila nas costas. Três dias depois , o casal recebeu um telefonema, era uma senhora que com muita dificuldade falava francês, disse que o menino – le garçon – estava no hospital. Correram até lá e receberam a notícia do falecimento, a altura do rochedo até o mar era demasiada, a água recuou e a morte foi imediata.

- Adianta ficar assim? Seus outros filhos estão sentindo a sua falta, seus netos... Vamos fazer geléia agora?
Colocou os braços ao redor de seu pescoço, Jeanne chorava, limpou as suas lágrimas e beijou seu homem.
- Vamos deitar um pouco nas espreguiçadeiras? A noite adentrava, seria um refrigério para suas almas ficarem ali, juntos. Com duas tristezas no seu coração: a dele e da mulher que amava, ele fixou o olhar nas galochas de sua esposa e rapidamente muniu-se de toda coragem para enfrentar a vida: Como era um enorme prazer estar ao lado dela! Enquanto seus amigos escolheram doutoras, modistas, psicanalistas, ele havia encontrado um tesouro maior: uma pequena incansável que lia madrugada a fora Peter Pan para seus filhos, rindo com eles, divertindo-se, mas também a ponto de tirar férias da família, quando a impediam de sê-la, no início isso pareceu assustador, mas se era para ele continuar a ter aquele brilho nos olhos – e assim o era – deveria partir para voltar, e de fato ela ficava fora uma semana, pegava o barquinho e passava tardes na lagoa ali perto, onde tinham à margem uma pequena cabana, falavam por telefone e dali mesmo ela dava instruções de como arrumar os uniformes dos meninos todas às noites, para que eles ao levantarem já os vestissem.
- Às vezes , me culpo pela morte dele, acho que nunca deveria ter saído de perto, digo com relação às minhas férias – e quando pronunciou essa palavra, prolongou-a para tirar qualquer peso que pudesse massacrá-la.
- Nunca ouvi tanta besteira de uma vez só!
Beijaram-se. As luzes das lamparinas das salas foram apagadas, balbucio de crianças ecoavam dos cômodos da casa.

Pedro acordou sobressaltado, da rua vinha um barulho, sonolento, permaneceu deitado alguns segundos: Que sonho estranho! Confuso, levantou-se lentamente, foi até a janela, olhou para baixo: dois meninos andavam de bicicleta, voltou para cama, sentou-se à beira, ficou ali, coçando a cabeça, fisgando algumas imagens do sonho: a esposa, seu quarto, o filho que morrera. Quem seria ela? E aquele outro Pedro que desconhecia? O país distante, o corredor, a vida que era sua, desejada, com todas as suas pegadas, o porta-retrato... A mulher. Sentiu saudade daquilo que não teve, ou teve? Está por perto? Não havia ninguém por perto: as revistas espalhadas no chão, o encontro com Marina, que não amava e que infelizmente, ambos sabiam disso. Que horas são? Teria que sair de casa imediatamente, mas não havia forças para isso, a solidão o cercara, talvez ligasse para o irmão que morava no sul, olhou para o telefone, levantou e decidido foi atrás dos seus:

- Quem fala?
- Beto.
- Beto? Que voz de homem, rapaz!
- Quem é?
- Teu tio de São Paulo, Pedro, lembra?
- Tio? Claro! Quanto tempo? Como tá?
- Bem. Estou com saudade de vocês.
- Saudade? Não sabe da maior: vou prestar vestibular para História, acredita?
- História? Vai virar professor , é?
- Não sei ainda o que vou virar...
.....................................
- E o que tem feito?
- Caído no mar! Como sempre!
- Caído no mar?
- É pegando onda, essas coisas...
- Gosta do mar...
- Muito tio.
- Tome cuidado, não é perigoso?
- Claro que não!
- Sei...
.............................................
- O pai tá por ai?
- Acabou de sair da oficina, tá procurando funcionário, o que tínhamos saiu ontem...
- E como anda o resto?
- Minha mãe? Tá bem.
(riram ao mesmo tempo)
- Ligo amanhã para falar com teu pai.
- Ok.
- Boa sorte no vestibular. Parabéns pela escolha.
- Certo...

Desligou o telefone, como seria fácil ir ao encontro de Marina se não tivesse tido aquele sonho, como seria fácil de estar ao lado dela se não tivesse ouvido seu sobrinho falar que iria prestar História, se não soubesse o quanto aquele amava o mar e se não soubesse que houve e havia possibilidades invisíveis ao seu redor, mas que, por pura crueldade a si mesmo nunca as amou e ainda não as ama. A noite iniciava, Pedro colocou os sapatos e saiu do quarto ao encontro de sua namorada. Estou com saudades.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

DESENLACE

Ela acordou sufocada ao lado dele
Ele, liberto, ao lado dela
Ela tinha medo do pesadelo que aquilo podia se tornar
Ele, sabia: ela era um sonho realizado
Ela tinha medo de dormir e se perder
Ele, sabia que o melhor viria ao acordar
Ela estava preocupada, questionando-se
Ela, era a melhor reposta da vida, a ele
O prender das mãos a aprisionava
O abraço dela, o encorajava
Ela tinha medo de entregar-se
Ele, estava feliz em recebê-la
Ela, se fechava como ostra
Ele, a via como a própria pérola

Eles assim lado a lado
Ele e ela sem elos
Mas consigo

Ivete Irene

terça-feira, 17 de março de 2009

Flores no concreto

Caminhar pela Av. Sumaré tem suas surpresas: os lírios, as pessoas, os carros... Mesmo em meio ao concreto, à fumaça, a beleza resiste, convidando-nos.
Diariamente, leio o Sutra do Lótus, cultuo os espíritos dos meus ancestrais, para que possamos ter um caminho mais iluminado sob a proteção dos budhas.
Olhar as flores, me remete a origem do Zen Budismo - o qual pouco conheço. Mas a história é linda, vejamos:

Segundo a história tradicional, a primeira transmissão “mente a mente” (ou “coração a coração”) ocorreu na Índia, durante uma palestra de Buddha a uma grande assembléia na montanha Gridhrakuta, que reunia mais de mil e duzentos discípulos.
O Buddha Shakyamuni, com um sorriso inspirador em sua face, elevou o braço, segurando apenas uma flor de lótus dourada. Neste momento, houve um silêncio total.
Nenhum dos discípulos arriscou-se a dar nenhuma interpretação e, durante esse longo momento de impasse, seu discípulo Mahakashyapa (famoso por sua extrema sisudez) respondeu-lhe com outro sorriso misterioso. Ninguém da assembléia entendeu o sentido e significado do feito de Buddha e, mais tarde, ele anunciou que o mais profundo Dharma da verdade tinha sido transmitido ao discípulo Mahakashyapa.

Disponível: http://www.budismosimples.kit.net/ [capturado em 17 mar 2009].