quinta-feira, 24 de junho de 2010

Lenita prestes a voar...

Há um começo e um depois -
Dias vagos, vazios.
Um passo, dois tropeços.

Fito: nítida mulher inerte,
Ofélia menina sob as rosas
estampadas no lençol branco.
Hoje, ninguém a acordará desse
sono profundo. Nem eu.

No cais próximo, embarcações tocam a terra.
É domingo. O portão está semiaberto.
As crianças ofegantes se encaminham
até a mesa do almoço posta no quintal,
guardanapos voam ao vento e
os talheres cintilam à luz do sol.

Simples como um copo d´água,
com duas folhas de hortelã,
ela abraça seus convidados. Mas fitem.
(Há a naturalidade obscena baudeleriana.)
"Torta de maçã, por favor...". Falta-lhe o prazer.

Dorme. Sonha. Sabe-se devagar, percorrida.
O seu dia foi longo e a noite incompleta.
A lembrança do antes já não é,
vira, meu amor, transmuta,
cura-se ao amanhecer,
constelando em seus olhos -
semáforo intenso para quem compreende suas pestanejadas -
a vida prestes a ser reconquistada.

Sozinha, desperta para si. Sem mim.

domingo, 20 de junho de 2010

Saramago... Adeus...

domingo, 13 de junho de 2010

Pássaros

Outro sonho estonteante. Era de manhã. O sol entrava pelas janelas da cozinha, o que possibilitava a chegada da luz até metade do quarto, que não possuia porta. No chão, uma gaiola com um pássaro. Azul, pequenino. Me aproximo, o pássaro como um imã vai ao meu encontro e só não gruda em mim, porque a grade nos separa. Acho bonito, ao mesmo tempo que percebo sua força e sua vontade de sair. Fico sem saber o que fazer, chamo a minha mãe, que só fala para eu não mais utilizar o tapete como passadeira e percebo o quanto é inútil falar com ela a respeito do pássaro. Na gaiola, multiplicam-se as aves. São inúmeros pássaros querendo se libertar, tento consolá-los e eles ficam violentos, transformam-se em madeiras e espetam a minha mão. Não sei o que fazer. A gaiola abre-se. Uma revoada sai e quando vejo ela se torna parte do meu cabelo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Fotografia I - depois de você

O primeiro dia do ano vibrou todas as horas sem que chegasse a carta de Gilberte. Como recebi outras felicitações tardias, ou que se atrasaram pelo acúmulo de serviço no correio, nos dias 3 e 4 de janeiro ainda continuei com esperanças, mas cada vez menos. Chorei muito nos dias seguintes. E isso porque, renunciando a Gilberte, fora menos sincero do que imaginava, e ficara com a esperança de uma carta sua no dia do Ano-Novo. E ao ver que me fugia essa ilusão sem que eu tivesse tido tempo de prover-me de outra, sofria como o enfermo que esvaziou sua ampola de morfina sem ter outra à mão.
(À sombra das raparigas em flor, Proust, p.228)

Há o fator imponderável, em tudo o que disse, ontem, às pressas. Não vou relevá-lo, acho que estava mais nervoso do que eu, que fiquei em estado de choque. O melhor foi mesmo ir para cama, tentar domir, após aquela conversa. Com a luz da luminária acesa, com a roupa que usei o dia todo, esperei adormecer, com esperança de que amanhã, ao acordar, tudo tenha sido um sonho. Mas não, e tive pesadelos a noite toda, um deles: com três bebês doentes, no colo, atendi o telefone. Era a minha mãe, que queria contar quem era o pai das crianças. Acordei sobressaltada... Os bebês estavam morrendo. Pensei em ir até a sala e te abraçar, antes do fim. Mas quando vi, preferi me acomodar, na cama, e abrir caminho para a primeira, entre inúmeras noites sozinha. Mas hoje, juntos, sentados à mesa, sem tomarmos café como o de costume, ignoro o que de fato seja dormir sem você. Me sinto anestesiada e o que me vem à cabeça só é um blues do Johnny Lee Hooker, que fala que alguém precisa tomar juízo. O chá esfria. E nem de pijama estou. Sem senso algum e com a urgência de recomeçar preciso me monitorar. Mas a manhã se esvai. Do lado de fora da casa, crianças andam de bicicleta. Essa ingenuidade me agride, sabia? Pois descubro que um dia o grande lance da vida é: aprenda a driblar para se exasperar menos. Só pense, antes de resolver colocar todas as roupas dentro da mala e partir: quem é quem. Sempre pensei que traição era algo que nunca me ocorreria. Não de orgulho, mas achei que com a vida corrida que levávamos: foco no trabalho, na família, nos projetos em comum, nas descobertas individuais, mas compartilhadas, jamais caberia outra pessoa, pois isso nos daria, inclusive, mais trabalho. Errei o caminho. E o dia amanheceu azul, há sol e o frio nos assola, o que confere a tudo que tocamos hoje a impressão de que existe felicidade apenas para alguns. Ao menos feche a porta.