quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

FOLHA DE BORDO

DE BETTY FREEMAN

Eu que sonho que a moça é jovem
e é linda na bola vermelha de Natal.
O vestido dela é bonito que nem cisne.
O cisne flutua com suas plumas brancas, finas
quando sua cabeça macia de neve
flutua embaixo para ser como a neve de novo.
Então eu queria ser uma mulher como aquela uma,
ser com uma asa bem longa.

domingo, 20 de dezembro de 2009

DESPERTAR

"Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão/Pelo menos, com a primavera, retornam com estrondo". Sylvia Plath


Por alguns instantes, retornou a olhar-se, no espelho. O dia estava, extremamente, convidativo para um passeio primaveril. Mas decidiu ficar assim: admirando-se em seu próprio mistério. Lembrou-se, com certa vergonha e raiva, o que haviam dito para ela quando, aos 14 anos, ficava meditativa, em seu quarto, com dois livros intermináveis, os quais lhe traziam alguma dificuldade na leitura: Retrato do Artista quando jovem e Mrs. Dolloway, mas que os compreendia com o coração. Disseram asperamente: "Você se acha muito sabida, né? Onde pensa que vai aprendendo a não ser nada?". Queria fugir dali, daquele momento. Aquelas palavras continham apenas uma parte da verdade. De fato, ela não queria ser nada. Gostava da ideia de crescer como uma árvore frondosa, apenas cultivando para si bons sentimentos, pensamentos, ideais, não era ambiciosa como haviam lhe ensinado desde pequena. Mas como dizer isso às pessoas? Que desejava ser como as àrvores? A internariam, num hospício. Mas essa era a sua resposta para o mundo. Sentiu raiva de si mesma e de sua irmã, que havia lhe machucado com aquelas palavras.
"Será que saio para dar uma volta pelo bairro?". O rapaz que conhecera há pouco tempo prometeu ligar mais à noitinha, para irem ao cinema. Gostou dele. Era um rapaz simples, que poderia ser uma companhia interessante para os dias de solidão, mas ainda não era quem sabia que guardava dentro de si: o cara, que apareceu entre tantos e foi embora sem dizer nada, na festa, mas que sua presença a tranquilizava como uma lembrança da infância mais doce. E ele, provavelmente, nem lembrava mais dela, mas ela sabia onde ele morava, o que fazia e inclusive quem amava.
Penteou o cabelo. Estava comprido. Precisava cortar, ao menos as pontas. Decidiu fazer uma trança como as garotas de uma fotógrafa que gostava demais. O dia diluia lá fora e ela queria apenas ficar assim: gastando-se em si mesma, mas nada de embotamento, ao contrário era a celebração da sua solidão. Gostava de habitar-se na ilha que supunha-se ser. Mistério à parte, queria apenas tornar-se frondosa como um jequitibá. Imaginou a irmã entrando no banheiro e falando, novamente, para ela: "Você se acha muito sabida, né? Onde pensa que vai aprendendo a não ser nada?". Sentiu-se confusa e triste. Mas encarou-se, no espelho, e disse para si: "A sabida virou uma escritora." Na clínica, descobriu que o nome disso era complexo e que eles faziam parte do que somos e que deveríamos tomar uma posição de responsabilidade a eles. E ela devolveu ao mundo de maneira sábia o que lhe oprimia, no íntimo, com suas leituras e sua poética. Foi a saída de sobrevivência da alma."Será bom sair com esse rapaz, ao menos me distrairei. Preciso esquecer quem me fez esquecer de mim mesma. Como no filme: viver por amor e não morrer por amor". O penteado o agradaria? Pois não havia nada mais delicioso do que sair com um homem, sentindo-se bela, fresca e esperançosa. "É como quando pegamos os peixes, na beira do rio, e os colocamos de volta na água." Olhou seu corpo, no espelho, e concluiu que o tempo a fizera muito bem. Quando adolescente, não tinha consciência da sua beleza e sensualidade particular, nem da sua inteligência, daí viver introvertida, ensimesmada, inclusive, ridicularizando a si mesma e aqueles que a ameaçavam como os seus modos de viver. Sem tempo para o nada.
Agora, era outra, e o seu coração generoso desculpava quem lhe havia machucado, sem compreendê-la. Desde criança era tida como diferente demais e todas as tentativas de adequação, que fizera foram frustrantes: quando ensinavam a ela um jeito eficiente de escrever, ela vinha com um livro feito à mão; quando pediam para desenhar uma casa, ela desenhava uma cabana, no meio da floresta; quando pediam para costurar um botão, bordava um pássaro, no bolso. Demorou muito tempo para descobrir o que a fazia, realmente, feliz e tudo que tinha em mãos agora era simples e genuíno, forte como o café que fazia todas as manhãs.
Lembrou-se de um sonho que teve, em um período de emergência psíquica - pessoas ao seu lado, em um trabalho burocrático, ameaçavam sua vida criativa, impondo-lhe um jeito estreito de ver um problema a ser solucionado: à noite, quem apareceu para ela foi a cantora Nina Simone, que mostrava o caminho para safar-se dessa situação, apresentou-lhe um homem branco de barba ruiva como se fosse seu pai e que este estava traindo sua mãe, que arrumava uma cozinha, obsessivamente, com ela, a cantora de blues. Acordou sobressaltada, mas sentiu-se equilibrada.
"Não importa o tempo que levei para chegar aqui DENTRO de mim, cheguei." Maquiou-se devagar. Passou delineador, nos olhos, e um batom pêssego assentou-se à sua boca pequenina. Mudou de ideia, daria uma volta pelo bairro, compraria umas flores para enfeitar a casa e à noite daria chance a amar, novamente.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

PRELÚDIO ÀQUELA QUE ME AGUARDA

Começo a dizer: tudo valeu muito a pena e continua valendo. Ser o que se é, sempre. Viver o seu destino, a sua grande viagem para dentro de si, para aquele lugar seguro, silencioso. Estou chegando. É a música que me acompanha, diariamente. São as leituras feitas, na clandestinidade, que dão a pista da criação do meu mundo. Sou mulher, criadora, sopro a vida com o desejo de a ver exuberante e nessa caminhada, alguém gritou, no escuro: "Merece ser muito amada, mto mesmo...". Olhei para trás e pegadas foram deixadas por alguém que já está lá frente me aguardando. Coragem: abra a porta do seu coração, escute a respiração daqueles que já estão cochilando sob as árvores. Olhe para o céu: uma revoada de pássaros desenha o símbolo de sua carne, celebrando mais um encontro com a sua própria alma.

sábado, 5 de dezembro de 2009

UM TIPO ESPECIAL

Um tempo de delicadeza era o que o desejava, enquanto arrumava as suas roupas e a de seus filhos, na cômoda. Uma passagem secreta, em alguma gaveta? Esse era o seu grande dilema, desde pequenininha. Sumir da aridez do cotidiano. Não nasceu para o que haviam delegado a ela: casamento, trabalho burocrático, sorrir para os vizinhos, mas agora já era tarde, havia preenchido todo o protocolo e, no fundo, queria apenas ser mais simples do que era, achava desnecessário todo o barulho feito pelo marido, pelas crianças, pelos vizinhos, pela televisão... Mas isso não significava que não amava a sua vida. Amava e muito, mas com culpa pois sabia-se distante, às vezes, quando ficava sozinha em casa descobria-se alheia a tudo o que construiu e como tática para sobreviver inventou uma história: ela era uma estrangeira que estava passando uns dias, na casa de uma família muito amorosa que precisava dela. Assim, encaixava-se, quando as coisas ficavam críticas. Queria um tempo outro, pois ficar à toa não era permitido, aos olhos dos outros, e quando faminta corria até o baú de sua juventude para beber de uma fonte vigorosa, recuava pois seria, no final, extremamente doloroso. Era o que já foi, mas ansiava por aquilo que não sabia. Uma vez, até sentiu vontade de perguntar para uma amiga, o seguinte: Já teve vontade de não sei o quê? De deixar tudo? De viver outra vida? Mas ao invés disso, serviu mais café e comentou sobre o penteado da nova estação. Como se traia!
O marido a amava, demasiadamente, mas não a percebia, achava-a graciosa, espontânea e, em alguns momentos, suas excentricidades o envergonhava, mas ela era bonita e elegante o suficiente para ele se encantar até o fim de sua vida. Ela gostava de ler poesia. Ele via televisão. Ela gostava de perambular à toa pelo centro da cidade, de olhar, minuciosamente, para as porcelanas chinesas, adivinhando seus mistérios. Ele dormia depois do almoço. E assim se amavam, mas cada dia que passava desejava alguém com quem pudesse contar seus pensamentos, suas ideias, mostrar seus mimos, alguém que pudesse entendê-la e assim a fazer se sentir viva, reconhecida, na sua essência, que nem mesmo ousava explorá-la. Sentada, com as camisetas dos filhos no colo, fechou a gaveta e a passagem secreta foi bordar pásssaros, naquelas roupas de linho. Ficou assim: encantada, consigo mesma, no paliativo da criação, esperando, esperando voar para bem longe.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

"Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." (Antoine de Saint-Exupéry)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

UN COEUR DU PETITE FILLE

Faz dias que me perdi ao te encontrar. Suspeitei, na esquina de teu olhar, a dúvida secreta de nosso destino atado a duros nós. "Gracinha!", disse sorrateiro, ganhava-me enquanto perdia-me.
Que desespero ter a consciência de saber que vivemos um breve sonho. Você não é quem eu imaginava que fosse e nem eu sou mais aquela que me tinha. O desdém vai se tornando cada vez mais feroz. No ponto exato da carne macia. Novos estranhos que acabam de se conhecer: ouçam! promessas de vida a dois.
Balela de amor!, disse com a boca cheia de bebida,
e eu que nunca fui tão certa de mim: sorri e voltei a delirar.