sábado, 31 de outubro de 2009

MOTIMISTÉRIO

(um poema sobre a breviedade dos segundos contidos na vida)

A cada célula vibrada pela fricção corpo-realidade uma descarga de energia transforma a minha alma e a matéria.
É nesse momento que, ingenuamente, ainda penso fugir da breviedade da vida chamando.
Tudo indica que o grande lance é ficar na tensão do vazio.
O importante é saber que os segundos encadeados: os tristes, os felizes, os retumbantes e os silenciosos é o que fazem a vida ser o que se mostra: Una. Redonda.
E é por isso que todos somos preciosos e que, em breve, chegará às nossas portas, com os ventos da bem-aventurança, nossos filhos, agradecendo o destemor de termos sido, desde o início, generosos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

OLHANDO PRA VOCÊS...

Ser mais do que se pode conhecer e nomear. Viver um dia de cada vez é a tática que estabeleci, para não me surpreender demais comigo mesma, pois quando as pessoas me fazem lembrar que existo, através de uma conversa prosaica, atualizo-me como uma mulher civilizada.
Por que falo de mim como se fosse uma bárbara? Uma selvagem? Seria apenas uma fixação obsessiva por uma ideia excêntrica, que me põe em evidência para mim mesma, em segredo? Ou seria de fato a fidelidade a um mundo, de onde vim e que, desde há muito tempo sinto saudade de estar próximo dele, como se eu carregasse dentro do meu coração uma floresta com uma clareira, onde posso sentar-me e observar os pássaros?

Não sei. Desisto em descobrir e em segredos fantasiosos caminho entre os transeutes, vou à feira, compro tomates robustos. O homem que me atende entrega o troco como se fosse para uma jovem madame. Encontro de supetão uma amiga, que desde longe sorri como um gato astuto, torno-me para ela, imediatamente, uma estátua grega, meu dorso se eleva, minha voz infantil esconde no praquejo a ansiedade do encontro. Ela sabe de onde eu vim. Compreende o que talvez nem eu mesma compreendo e isso nos fascina. Os bons encontros são aqueles em que uma pessoa observa a outra, como se aquela estivesse alguns degraus abaixo e que portanto é possível enxergar toda a mandala de sua vida, tatuada na coroa de sua cabeça. E ela me vê assim e eu a vejo do mesmo jeito.

Na sacola, as ervilhas tortas são exprimidas pelos tomates e pelas cenouras. E isso me faz lembrar o beijo dele, que era doce, que me deu febre, que me fez temer perder a vida, pois quem ama sabe: a fogueira trepida, a música vem de altos tambores, o céu noturno é cravejado de estrelas e a alma deseja galopar até cansar e desmaiar longe do corpo.

Podemos tomar um café qualquer dia desses, o que acha? Respondo que sim. Sem problema nenhum. Tempo não me falta, pensei, pois no isolamento, no qual me encontro, nesses últimos meses, como uma bruxa-megera perdida em livros, seria extremamente saudável ver pessoas. Dividir sorrisos. Olhar o fluxo da vida na sua incessante vida-morte-vida: crianças comprando bombons como se fossem diamantes, mães desligando o alarme do carro, para guardarem as compras de supermercado no banco de trás (pobres mulheres!, acreditam na previsibilidade da vida), cachorros puxando velinhos ,que já não estão mais conosco... E assim vai e vamos, aceito o convite e volto para casa, para a minha clandestinidade, onde posso somar as contas do aluguel e da luz feliz, por ter me domado mais um dia.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

MÚSICA

Definitivamente, tem música que é tão linda que me deixa assustada! Estou me referindo à Wisconsin do Bon Iver. Fico assim: perplexa. A lentidão da música. O vocal com seus agudos repentinos e os sussurros. Até parece música de igreja - no bom sentido. Mas ao invés de ser um reverendo insosso, temos um homem recluso que toca para uma plateia que precisa voltar a crer em si mesma. Sem pieguismo. É linda! Vale a pena ouvir! Ouçam e completem com o que quiserem, a música tem lá seus cinco minutinhos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

DUAS DONZELAS PREPARADAS PARA O FRONT

Preparavam-se para sair todas as noites de primavera.
Qualquer esquina. Qualquer botequim.
O importante era - e Baudelaire foi o precursor ao falar sobre isso - o estilo: quem tem, tem. Quem não tem, amém.
O imprescindível portanto, é preparar-se sempre.
Não importa para onde vamos ou quanto tempo ficaremos.
E lá foram e vamos todos desfilando.

domingo, 18 de outubro de 2009

Here comes the sun...

O dia está lindo. É domingo. Já caminhei pela manhã, não perdi a oportunidade de tomar um sorvete e de comprar flores. Pensei em muita gente, principalmente, as que amo e que a grande maioria, nesse momento, está longe de mim. Senti saudades. Solidão. Mas o sol brilhava sobre a minha cabeça e das pessoas ao meu redor. Parei em uma barraquinha, na qual uma senhora vendia minimuringas de porcelana, que podemos usar como colar, fiquei indecisa, qual levar?, ou a de pássaro ou a de gato, escolhi a primeira, estava mais bonita. A manhã diluía na tarde que chegava quente. Transeuntes na Paulista desfilavam suas roupas extravagantes. Muitas pernas de fora. Sorrisos apreensivos, cheiro de fritura ao redor das barracas de comida e claro, na esquina, alguém lendo tarot. Pensei: Acho que está apaixonado. Olhei para o seu rosto, sorria.
O que estaria fazendo as pessoas que amo, nesse exato momento? Cada um levando a sua vida a seu modo. Com seus mistérios. Com seus desejos, sonhos e frustrações. Ao chegar em casa, abri a minha caixa de e-mail e uma amiga havia escrito: Pessoal, estou grávida!

Que bênção!, disse entusiasmada para mim mesma. Eles estão preparados para isso. Mas nem sempre é assim. Nem sempre as coisas se encaixam. E de repente, me senti triste. Pois é, nem sempre o sol sai. Olhei para meu altar budista, as flores que eu havia comprado para oferecer aos meus ancestrais e a Budha Shakyamuni estavam impecáveis! Reluzentes! Pensei novamente, nas pessoas que amo e dediquei a oração do dia a elas, que deveriam estar derrentendo-se nos seus afezeres, nos seus tédios, nos seus sentimentos, nas suas sensações, nos seus cenários...


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Henri-Cartier Bresson

Ontem, sai com uma amigona. Fomos ver a exposição do Henri-Cartier Bresson, no Sesc Pinheiros. Em uma das salas, estava passando um documentário sobre ele e que portanto, pude conhecer um pouco mais sobre esse homem admirável.
Olha, ele é admirável não só pelo artista completo que foi, mas acima de tudo pela sua alma, através de seu olhar e sorrisos fugidios foi possível perceber a candura de sua personalidade, a jovialidade, a rebeldia que o fez se tornar invisível e ao mesmo tempo presente. Pois é. Ele detestava a fama, dizia que esta acorrentava o homem e que este acima de tudo deve ser livre. E não foi isso que suas fotos revelaram? Um olhar presente, um enquadramento respeitoso que flagrava cenas do cotidiano de forma pulgente e fluída: o aqui está para o lá, o embaixo está para o acima, o direito está para o esquerdo e vice-versa e que para tanto apenas um homem que fazia da liberdade sua religião poderia dinamizar em negativos essa realidade mutável e cheia de acasos?

Um cena extremamante poética é ele caminhando com sua Leica - a máquina fotográfica - em uma trilha no meio do campo. O entrevistador pergunta: "Por que você foge das perguntas mais difíceis?" Tinha um jeito muito simples de viver. Sempre dava o fora. Saia andando. E disse: "Não tenho medo da morte, mas da dor." Cobria o rosto, ou seja, um homem com pudor.

Vale a pena conferir. Quem não conhece, deveria. Admirável.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

AGORA


"O vento, num dia radioso, certa vez chamou. "

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um pequenino coração partido...

Quando ele disse: "Acho que está na hora de você partir.", ela preferiu desconversar, como uma criança tamborilou os dedos na cantoneira da sala. A música era uma que havia acabado de ouvir no rádio. "Acho que está na hora de você sumir." Sumir? Aquilo era enfático demais. Não daria conta de disfarçar o que sentia, pois sumir é forte demais para quem ainda quer ficar, para quem ainda ama e quem ama diz: Sumir? Talvez. Ainda tinha esperança. Continuou tamborilando na contoneira da sala a música que ouvira, no rádio, sem perceber que a porta estava aberta.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

UM DOS MEUS DESENHOS...

Gosto muito de casa. De desenho de casa. De imaginar a minha própria casa - a futura. De ver revistas de casa. De colocar no sandplay - técnica de projeção de miniaturas sobre tanques de areia - casas. No geral, coloridas, simples, mas amplas. E foi assim, que ontem, antes de começar as minhas leituras de metodologia qualitativa, desanuvei desenhando sobre a cama uma casa de campo - se é como as de Combray em Em busca do tempo perdido do Marcel Proust? Ou a casa de Ema Bovary em Madame Bovary do Flaubert? Ou a casa da infância de Yambo em A misteriosa chama da rainha Loana de Umberto Eco? Não sei.

Acho mesmo que o desenho está mais próximo das casas que o Tim Burton buscou expressar em O Peixe Grande do que os exemplos que citei acima. O importante é que fiquei satisfeita com o meu desenho. Saiu com a minha carinha. Tentei desenhar um entardecer e claro, uma grama para eu fazer de travesseiro e percebam: ali, no canto esquerdo, tem um carneirinho. Carpe Diem!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

JORNADA DA ALMA

Olha, ontem eu ouvi uma coisa muito bacana sobre mim. É estranho, pois assim que a pessoa falou, distanciei-me de mim mesma, achando que eu fosse outra pessoa. "Ela que é cheia de méritos, de esforços e coragem. Eu, eu não." O que é isso? Princípio de esquizofrênia? Não. É a capacidade do ser humano de distanciar de si mesmo, para não ter um atitude responsiva perante a vida. E no meu caso, fiz isso por conta de uma timidez que beira à sacanagem de não me dar amor próprio.
A pessoa disse: "O desenrolar da sua vida está bonito...". Eu olhei para ela, porque tinha acabado de contar algo triste, chato, que me amola desde que me conheço por gente, mas já não fere mais e disse:"Bonito?" E ela: "É". E sorriu. Levantei da cadeira e fui embora feliz, começando a me reconhecer com aquilo que sempre quis.

Estranho. Tanta coisa mudou nesses últimos anos, que às vezes nem me reconheço. É isso que é estar próximo do Self? Pretensão. Isso é nome chic para falar: "Cansei, quero paz, quero ser o que sou e sempre serei". Tenho estado muito calminha. Mas de qualquer jeito, dando o nome de "expressão de Self" ou de "cansei, quero paz", o fato é que a alma pede uma jornada.

E a respeito disso, esses dias aqui, em casa, vi com umas amigas um filme bacana: A jornada da alma, que conta a história de Sabina Spielrein, uma paciente do Jung, que sofria de histeria e que foi curada a ponto de se tornar uma psicanalista.

Até aqui excepcional, mas ainda não toca o coração. Até que certa hora no filme, uma das personagens - a pesquisadora que vai resgatar a história dessa mulher selvagem - diz: "Ela jogou limpo o tempo todo." Aí sim. Aí o conteúdo cabeção caiu por chão e o que entrou em cena foi a história de uma mulher que lutou lutou lutou contra todas as repressões que infringiram à sua alma.

Uma cena linda? Ela e o Jung dançando no refeitório, com os loucos ao redor. Dançando, dançando, enamorando-se - acreditem, os dois tiveram um caso amoroso longo e feliz, mas depois cada um tomou o seu rumo.

Uma vida bonita. Ela casou, teve filhos e construiu uma creche para crianças extremamente avançada para época. As crianças tinham total liberdade de se expressarem e a relação com o corpo era algo apresentado desde muito cedo, para que todos pudessem ter uma relação com a sexualidade sem tantos tabus.

A jornada da alma. Tem uma frase do Jung que é mais ou menos assim: "Quando duas personalidades se encontram e ocorrem uma química entre elas, não tem jeito, as duas pessoas saem transformadas" Acho que os encontros são para isso. Acho que estamos no mundo para isso. Mas tem que haver o toque, uma alma em outra. E foi assim, que depois de ouvir essa pessoa comecei a me sacanear menos e me dar alguns méritos. Não roubarei mais energia de mim mesma! Assim como Sabina, continuarei a jogar limpo! Se é pra gritar, eu grito. Se é pra chorar, eu choro. Se é pra amar, eu amo. Se é pra viver, eu vivo!