segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Próximo passo

Superar o crepúsculo
na curva da dúvida.
Solidão em dosagem
certa é o antídoto
para vigarice.

O cavalo azul,
de pata cindida,
conspira sua fuga.
Na senda de seus cascos
pequeninos corações
de ouro reluzem
a coragem do intento:

eclipsada derramo
meus braços nas estrelas
mais próximas da gente
- no caminho
senti em meu pescoço
o frescor das flechas voadoras.

Alcancei minha sombra
e fui fertilizada.

Houve transformação.

domingo, 18 de dezembro de 2011

ADEUS 2011

Mais um ano passou. 2011. Acho uma tremenda bobagem fazer um retrospecto do que aconteceu, assim como planejar metas para o ano que vem - apesar de já ter feito isso inúmeras vezes anteriormente. Mas esses métodos caíram em desuso, pois, simplesmente, não tenho mais saco. A filosofia do "não tenho mais saco", apesar de parecer rude, é sábia (ao menos, espero que seja), porque o que está por trás dela é a confiança de que nada do que viverei futuramente será tão diferente do que estou vivendo agora, daí a falta da necessidade de retrospectos e de planejamentos. Estou em uma boa fase da minha vida e ponto.

"Acordei tentando lembrar dos meus sonhos. Eram 10h00 da manhã. A minha gata já estava sobre o meu travesseiro me chamando para tomarmos café da manhã. Ela, como sempre, foi na minha frente, atravessou o corredor, chegando à cozinha, onde fica seus potes de água e de ração; eu, ainda sonolenta, depois de ter colocado a água na chaleira para esquentar, preparei o pão com queijo, para logo pegar o jornal que fica do lado de fora, na entrada do apartamento (...)

DIÁLOGO - Os escritores modernos

Os escritores modernos (James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust) apresentavam os dilemas de suas personagens a partir de uma perspectiva, na qual o cotidiano com suas miudezas era hipervalorizado. Os grandes golpes do destino e os pontos cruciais externos acerca do tema não eram encarados como decisivos. A confiança era de que em qualquer fragmento escolhido ao acaso, em qualquer instante, no decurso da vida, estava contemplada a substância toda do destino das personagens. Assim, a demanda de ir ao açougue comprar miúdos em Dublin, em Ulysses de James Joyce, fazia parte do heroísmo do homem comum, que buscava levar sua vida no mundo irônico e prosaico dos tempos modernos. Costurar a meia para o filho do faroleiro, em Passeio ao farol de Virginia Woolf, era o momento em que todo o mistério de Mrs. Ramsay e sua beleza exuberante se condensavam, convidando o leitor a interpretar sua vida. Relembrar da infância, permeada por personalidades tão fascinantes, a partir do sabor de uma madeleine molhada no chá, em No Caminho de Swann de Marcel Proust, também fazia parte do recorte moderno que enfatizava o corriqueiro.

(...) As roupas íntimas no varal, o chá de hibisco com maçã, a esperança de que nos acertemos. Deixei um bilhete sobre a mesa, desejando um bom final de semana, na observação: eu te amo."

Falta uma porção de coisas para me acertar ainda. Mas, ao olhar para o meu cotidiano, sinto que por enquanto o mais importante é não estabelecer critérios. O foco é viver o meu cotidiano devagarinho, construindo os sentidos da minha vida, assim como as personagens dos romances modernos, que a cada passagem dos romances mencionados acima, mostraram que a riqueza está nos momentos banais que podem inclusive ganhar uma função mítica.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Feira de Antiguidades

Branco era a cor que, naquele momento, me hipnotizava. Ela estava nas porcelanas do banheiro, nas rendas das peças íntimas penduradas atrás da porta, no meu glóbulo ocular e nos pelos da minha gata que, no corredor, vigiava o momento em que me preparava para sair de casa.

O branco e o silêncio daquele dia me levaram a uma fugidia sensação de liberdade, o que me fez lembrar o quanto estava cansada há um bom tempo.Era domingo e não sabia ao certo para onde ir, mas me sentia em paz.

O telefone tocou, do outro lado da linha, um amigo lembrou-me de uma feira de antiguidades, na qual poderíamos expor nossos sentimentos e lembranças que não valiam mais a pena carregarmos. Achei interessante. Mas se vendesse o meu passado o que seria de mim no futuro? O meu presente, infelizmente, era estéril, havia me acostumado a viver uma dieta afetiva: um pouco de sentimento para você, outro para ele e esse tantico para ela.

Sim, eu sabia que precisava mudar, mas para quem?

Fui à feira de antiguidades, expus uma lembrança que me era cara, na verdade, não queria me desfazer dela, mas sabia que havia chegado a hora: o dia que te conheci. Ao lado dela, dois sentimentos tão encrustados um ao outro que mal conseguia distingui-los, o amor e o rancor.

Tentei não criar expectativas, afinal, estava em paz: o branco e o silêncio da manhã me abasteceram o suficiente de candura. Mas quem escolheria o rancor? Um rapaz aproximou-se de mim, timidamente e, ao segurar o "rancor" nas mãos, disse que já tinha tido um desse antes, que era como chumbo preso ao peito, ou como lava de vulcão escorregando pela garganta. Acha que alguém o comprará?, perguntou-me. Mas ao invés de responder-lhe, fiz outra pergunta: "Como se desfez do seu?". Ele sorriu enigmaticamente e tirou do bolso um punhado de notas do bolso, a fim de comprar meu sentimento. "Não quer o amor?". Respondeu-me que não, decidido levou o rancor embora para longe de mim.

Qual o seu nome?, perguntei-lhe. O rapaz já distante respondeu gritando: "Tempo!".
Ainda com o "dia que te conheci" e o "amor" expostos para serem vendidos ou trocados, pensei em voltar para casa. Mas uma garota se aproximou de mim, ela estava usando um vestido branco de tule. "O dia que te conheci", você está vendendo? "Mas posso trocar por algo", respondi. "Eu também o conheci como você; mas nunca o compreendi. Você o compreendeu? Quer trocar pelo meu "o dia que te conheci"? Achei prudente não aceitar, era o apego do apego, estava decidida a dar um adeus profundo àquilo tudo. "Não".
"Não tem problema", respondeu ela, "Compro de você do mesmo jeito, queria apenas conhecer você melhor. Aliás, sempre quis sentir como você sente...". Ao me pagar, a garota de vestido de tule branco partiu satisfeita.

Ao olhar para o "amor", decidi voltar para casa. Não havia mais o que expor e me desfazer. Poderia recomeçar, estava em paz o suficiente para aguardar a minha aurora.