quarta-feira, 28 de julho de 2010

Degelando-se, numa tarde...

I-
Tem coisas que são inspiradoras. E geralmente, não são grandiosas e nem concluídas. Inspirar é sofrer a influência de algo. É arrebatar-se, e dali adiante ninguém sabe onde vai dar. Te ver ontem, por exemplo. Uma troca de olhar mínima, na faixa estreita do olho. Nem sei quem é, e mesmo odiando clichês e lidando bem com a minha solidão me guiei, atmosfericamente, para perto do balcão.

II-
Um café, por favor. Um gole, dois - o que faço aqui? Tonteando. Muda a cena. Alice caindo no buraco: "Quantos quilômetros já terei descido? Com certeza estou pertinho do centro da Terra, a uns 6.600 quilômetros, talvez." Não. Espera, voltando. Estou a dois palmos de você, meu rapaz, e essa troca de olhar, na arena dos impulsos, não me faz ser menos estranha a você, que ao contrário, tornou-se de supetão familiar às minhas intenções. Puxa! Os quadros de Leonilson fizeram um baita sentido de repente! Frase neon no centro da consciência: pensamentos proibidos do coração. Um sussurro, talvez...

III-
Adeus, era isso que eu gostaria de ter dito - sem soar carente demais. Queria ao menos ter causado uma boa impressão. Não um borrão de ansiedade e equívoco. Não. Sei que foi rápido. Assim que notei você, já não éramos. Mas foi inspirador, voltei para casa e mamãe à mesa disse: Tranquilo, filha? A sopa de aspargos fumegante, na baixela de inox, canalizou aquela euforia disfarçando-a, na frase: O que é isso, bacon? Delicioso! Em silêncio, jantei, isolada para continuar em uníssono aos seus encantos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Eletroplessão

Ultimamente, tenho dormido com as janelas fechadas. Não é por causa do frio - até porque estamos em pleno verão e aqui, nem brisa faz. Longe de tudo, concordo com o que o filho do eletricista disse, ontem, ao aceitar um copo de limonada: "Aqui, o diabo usa leque...". Olhei para baixo e não sei por que seu pai o recriminou. Fiquei constrangida comigo mesma. Lembrei o que meu ex-marido havia dito, quando estávamos no início do casamento. Aliás, erámos um casal e tanto. Olhando à distância, sinto compaixão pela gente e invejo a coragem que tínhamos, naquela época, quando caíamos no mundo como se fôssemos duas crianças precoces, que em meio a brincadeiras ousadas, cuidavam uma da outra de um modo competitivo. Hoje em dia, cansaço. Ele destacava-se mais pela inteligência e a simpatia (interessada), pois para T., um editor de uma revista artística, tudo tinha um fim preciso; enquanto o meu destaque era devido à minha beleza e à leve excentricidade de habitar o mundo , pois era assim que ele se referia ao meu comportamento, quando me observava costurar as minhas próprias roupas. Enfim, essas características, para um homem vaidoso que era, o faziam me colocar no lugar de um troféu perto de seus amigos. Uma caça rara. Fina. Como uma corça presa, mas que ainda era possível ver sua agilidade, elegância e rebeldia quase telepática, que apreendia o presente na medida para estar focada no próximo passo. Suas investidas para que eu falasse em público de início, me faziam rir. Depois, foram tornando-se duras, creio que queria me 'domesticar' e usando de ardis requintados solicitava que eu falasse para a esposa de um amigo seu sobre as peças, que confeccionava, aos finais de semana. "Veja. Ela mesmo fez. Como chama isso, querida? Organza? Não acha que poderíamos investir?" E ria. No fundo, queria me controlar, hoje em dia acho que começava a pressentir o nosso rompimento... De qualquer modo, ontem, quando o filho do eletricista levou uma bronca de seu pai, após eu ter olhado para o chão quando praguejou contra o calor, daquela tarde, me fez lembrar o que T. dizia: "O mundo sempre solicitando a sua presença calorosa - pois querendo ou não, é isso uma das coisas que te faz impressionável - , como se fosse um convite a entrar num rio de água doce... E você sempre indiciando nossas intenções e fragilidades... Não acha isso coisa de neurótico?". Não queria constranger ninguém. Diabo é diabo. Assim como organza é organza. Mas prefiro manter uma certa distância, atrás das coxias até sacar a pessoa. Não é uma questão de desconfiança. Creio que está mais ligada ao fato de poupar todos de relações que podem ser desastrosas do que duvidar do outro. Mas isso é difícil de se explicar, quando se tem a fama de uma pessoa irritadiça e solitária. Ultimamente, tenho dormido com as janelas fechadas e não me importo com o diabo usar leque. Não mesmo. Acho inclusive, divertido. Também não me importo em mostrar a beleza de uma manga de organza. Mas ainda sim, à noite, prefiro dormir dentro de um quadrado impenetrável.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Loneliness

Os olhos semiabertos. Pestanejadas. O sol esgueira-se pela janela. No criado mudo, um copo d´água sobre uma toalha branca engomada de linho. Silêncio. É domingo e todos são cristãos. A casa é apenas para ela. O que fazem as mulheres quando estão sozinhas? Abre a boca. Enconsta a língua, nos seus dentes perfeitos. Boceja... Engole a saliva, com a cabeça inclinada para o lado, a curvatura do pescoço evidencia as veias torneadas e a garganta avantajada. Cochila. Foge do mundo lá fora: buzinas de carros, burburinhos, na esquina, amantes satisfeitos... Mas precisa levantar. Abre os olhos, com dor. Sente-se terrivelmente, fatigada. Bom mesmo seria ser um animal, exemplo: uma gata e sem compromisso, respoderia a seus próprios instintos. Mas era mulher. Não havia escapatória. Os vasos de flores a chamavam para serem regados. O namorado logo mais telefonaria para juntos irem ao parque.... O que fazer quando se está sozinha, dentro de um quarto, ociosa? Desejo de ser seu próprio pensamento, as suas sensações e as suas fantasias. Não ter medo de cair na fantasmagoria da imaginação. Havia o comando de perscrutar o mistério da sua densidade espiritual, de vagar sem rumo até que sua mente inteplanetária encontre a sua autencidade clandestina, que como bebês famintos suplicava por atenção.