tropecei nas fitas de cetim
que estancavam
o sangue do coração.
"Era um jardim bem amplo, desenhado havia poucos anos com um gosto perfeito. Mas as árvores tinham mais de um século. Havia ali alguma coisa de campestre." MASSINGER
No momento da despedida, um breve 'te cuida!'. Aliás, sempre foi assim e sempre será - com todos nós, basta estarmos unidos uma vez, para logo nos separarmos. Isso me parece injusto: na fricção do ir e vir a solidão resplandece como uma nesga de luz que se esgueira da porta de um templo.Até mais? Sim, até mais. Mais é soma de algo com o seu devir. Então voltaremos a nos ver? É o que todos desejamos. Nossos pais nos esperam voltar para casa, quando os deixamos sozinhos com suas solidões esquecidas, encobertas com a poeira dos seus carinhos. Nessa perspectiva, eles me parecem santos banhados em graça: doaram a si mesmos para nós, a fim de que vaguemos como caravelas em mares - ora cheios de tormenta, ora cristalinos a ponto de conseguirmos ver nossos reflexos.
Esses dias fiquei refletindo sobre as formigas. Isso mesmo: as formigas, aquele inseto que é o gênero animal de maior sucesso na história terrestre, constituindo de 15% a 20% de toda a biomassa animal terrestre. Era tarde e já estava me preparando para rezar, quando vi dentro dos vasos de flor algumas formigas mortas. Elas tinham se afogado e estavam boiando na pequena superfície d´água e então me veio à mente a seguinte pergunta: - O que se passa no coração de uma formiga? Sorri, primeiramente, pois imaginei um coração tão pequenino que seria impossível vê-lo a olho nu; depois, sorri novamente, porque, no fundo, estava me referindo a um coração não somente como um órgão físico de um determinado corpo vivo, mas como símbolo de toda experiência anímica. Dei mais risadas. Na verdade, não sei se a formiga tem um coração e me faltou motivação para fazer uma pesquisa a respeito do corpo desse inseto, mas não importa, pois o que é verdadeiramente relevante nesses devaneios é a imagem de um pequenino coração com toda sua determinação pulsante. Pois é. Fiquei, admiravelmente, chocada com o fato de arriscarem suas vidinhas, desbravando locais perigosos, como os vasos de flores cheios d´água, que ficam em apartamentos de meninas solitárias e sonhadoras, em busca de alimentos. Será que não percebem que podem morrer nesse tipo de empreitada? Acho que não. Nos seus coraçõezinhos, só cabem determinação e servidão, pois a formiga rainha espera o ganhos conquistados pelas operárias para a manutenção do formigueiro. Senti pena e admiração por aquelas formigas mortas e por um tempo suspendi os meus afazeres, como rezar e voltar a estudar, para compreender melhor a minha estupefação com relação àqueles insetos. Nossa! No fundo, eu invejava as formigas, pois sem titubear suas vidas tinham um sentido tão claro e pulsante que nada, ao longo da História, desde tempos remotos, pré-históricos, iria impedi-las de continuarem perseverantes em existir. Haveria formigas depressivas? Rebeldes contra a eussocialidade (O termo eussocial é conferido aos animais que apresentam as sociedades mais complexas)? Tristes por não serem correspondidas no amor? Preocupadas em perder o emprego? Sim, eu invejava as formigas. Suas mortes pareciam ter mais sentido quando comparada a dos homens, seres miseráveis, que muitas vezes passam uma existência inteira, sem conseguir ouvirem as vozes do seus grandes corações. Ah, vivam as formigas!