sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Feira de Antiguidades

Branco era a cor que, naquele momento, me hipnotizava. Ela estava nas porcelanas do banheiro, nas rendas das peças íntimas penduradas atrás da porta, no meu glóbulo ocular e nos pelos da minha gata que, no corredor, vigiava o momento em que me preparava para sair de casa.

O branco e o silêncio daquele dia me levaram a uma fugidia sensação de liberdade, o que me fez lembrar o quanto estava cansada há um bom tempo.Era domingo e não sabia ao certo para onde ir, mas me sentia em paz.

O telefone tocou, do outro lado da linha, um amigo lembrou-me de uma feira de antiguidades, na qual poderíamos expor nossos sentimentos e lembranças que não valiam mais a pena carregarmos. Achei interessante. Mas se vendesse o meu passado o que seria de mim no futuro? O meu presente, infelizmente, era estéril, havia me acostumado a viver uma dieta afetiva: um pouco de sentimento para você, outro para ele e esse tantico para ela.

Sim, eu sabia que precisava mudar, mas para quem?

Fui à feira de antiguidades, expus uma lembrança que me era cara, na verdade, não queria me desfazer dela, mas sabia que havia chegado a hora: o dia que te conheci. Ao lado dela, dois sentimentos tão encrustados um ao outro que mal conseguia distingui-los, o amor e o rancor.

Tentei não criar expectativas, afinal, estava em paz: o branco e o silêncio da manhã me abasteceram o suficiente de candura. Mas quem escolheria o rancor? Um rapaz aproximou-se de mim, timidamente e, ao segurar o "rancor" nas mãos, disse que já tinha tido um desse antes, que era como chumbo preso ao peito, ou como lava de vulcão escorregando pela garganta. Acha que alguém o comprará?, perguntou-me. Mas ao invés de responder-lhe, fiz outra pergunta: "Como se desfez do seu?". Ele sorriu enigmaticamente e tirou do bolso um punhado de notas do bolso, a fim de comprar meu sentimento. "Não quer o amor?". Respondeu-me que não, decidido levou o rancor embora para longe de mim.

Qual o seu nome?, perguntei-lhe. O rapaz já distante respondeu gritando: "Tempo!".
Ainda com o "dia que te conheci" e o "amor" expostos para serem vendidos ou trocados, pensei em voltar para casa. Mas uma garota se aproximou de mim, ela estava usando um vestido branco de tule. "O dia que te conheci", você está vendendo? "Mas posso trocar por algo", respondi. "Eu também o conheci como você; mas nunca o compreendi. Você o compreendeu? Quer trocar pelo meu "o dia que te conheci"? Achei prudente não aceitar, era o apego do apego, estava decidida a dar um adeus profundo àquilo tudo. "Não".
"Não tem problema", respondeu ela, "Compro de você do mesmo jeito, queria apenas conhecer você melhor. Aliás, sempre quis sentir como você sente...". Ao me pagar, a garota de vestido de tule branco partiu satisfeita.

Ao olhar para o "amor", decidi voltar para casa. Não havia mais o que expor e me desfazer. Poderia recomeçar, estava em paz o suficiente para aguardar a minha aurora.

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