quarta-feira, 26 de maio de 2010

O cervo

O que fazer quando se tem dentro de si uma floresta? "Todos temos", responderia seu analista junguiano. "São representações do inconsciente, vá até lá e prepare-se..."
Habitar-se densamente. Mas o insight só veio mesmo, quando me deparei com um quadro da Fridha Kahlo: um cervo ferido. O rosto do animal era o da própria pintora. Lindo demais e ao mesmo tempo, sofrido. É o ethos da Fridha, da sua arte, as vísceras e a cor. Belo, na medida. A partir disso, compreendi a outra parte do meu sonho. Eu estava começando a fazer as pazes com o meu Self mais instintivo, no bom sentido. Conseguindo me fragmentar menos com as exigências de uma rotina, que muitas vezes me deixa exausta. Perturbada. No caso da Fridha, o cervo está ferido. Os martírios de sua vida, a poliomelite, o acidente, o aborto... Era a mulher selvagem pega e ela precisava de cuidados e a arte foi salvando-a pouco a pouco. Por um tempo não sabia o que fazer com o meu lado mais instintivo, que sempre pediu a ser integrado ao mundo. No meu sonho, eu cuidava de um animal pequenino, o carregava no colo, ninava-o sem saber que espécie era até então e de repente ele cresceu, forte, e vi que era um cervo com chifres grandes e pontudos. Ele queria voltar ao seu lar, à sua floresta. E eu não sabia o que fazer, estava agitado demais, até que alguém me auxiliou com uma pomada analgésica e ele se tornou um bebê lindo e então mais que depressa levei-o para um lugar adequado. Foi um sonho reparador. Eu chorei. Chorei muito, no sonho. Mas descobri a responsabilidade que é cuidar daquele animal, daquela criança que também está presente em tudo o que faço e que se cuidá-la dá para eu ser mais íntegra. A Fridha Kahlo buscava retornar ao seu estado natural (à sua floresta) com as inúmeras operações, realizadas no exterior, na tentativa de amenizar a sua dor. Mas infelizmente, não adiantaram. E o que restou a ela era a arte como salvação e que hoje, em 2010, em um apartamento em São Paulo, também me ajudou a entender um pouquinho mais de mim mesma, de ficar mais à vontade com as minhas exasperações e aceitar a realidade e alma como elas são.

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