quinta-feira, 22 de julho de 2010

Eletroplessão

Ultimamente, tenho dormido com as janelas fechadas. Não é por causa do frio - até porque estamos em pleno verão e aqui, nem brisa faz. Longe de tudo, concordo com o que o filho do eletricista disse, ontem, ao aceitar um copo de limonada: "Aqui, o diabo usa leque...". Olhei para baixo e não sei por que seu pai o recriminou. Fiquei constrangida comigo mesma. Lembrei o que meu ex-marido havia dito, quando estávamos no início do casamento. Aliás, erámos um casal e tanto. Olhando à distância, sinto compaixão pela gente e invejo a coragem que tínhamos, naquela época, quando caíamos no mundo como se fôssemos duas crianças precoces, que em meio a brincadeiras ousadas, cuidavam uma da outra de um modo competitivo. Hoje em dia, cansaço. Ele destacava-se mais pela inteligência e a simpatia (interessada), pois para T., um editor de uma revista artística, tudo tinha um fim preciso; enquanto o meu destaque era devido à minha beleza e à leve excentricidade de habitar o mundo , pois era assim que ele se referia ao meu comportamento, quando me observava costurar as minhas próprias roupas. Enfim, essas características, para um homem vaidoso que era, o faziam me colocar no lugar de um troféu perto de seus amigos. Uma caça rara. Fina. Como uma corça presa, mas que ainda era possível ver sua agilidade, elegância e rebeldia quase telepática, que apreendia o presente na medida para estar focada no próximo passo. Suas investidas para que eu falasse em público de início, me faziam rir. Depois, foram tornando-se duras, creio que queria me 'domesticar' e usando de ardis requintados solicitava que eu falasse para a esposa de um amigo seu sobre as peças, que confeccionava, aos finais de semana. "Veja. Ela mesmo fez. Como chama isso, querida? Organza? Não acha que poderíamos investir?" E ria. No fundo, queria me controlar, hoje em dia acho que começava a pressentir o nosso rompimento... De qualquer modo, ontem, quando o filho do eletricista levou uma bronca de seu pai, após eu ter olhado para o chão quando praguejou contra o calor, daquela tarde, me fez lembrar o que T. dizia: "O mundo sempre solicitando a sua presença calorosa - pois querendo ou não, é isso uma das coisas que te faz impressionável - , como se fosse um convite a entrar num rio de água doce... E você sempre indiciando nossas intenções e fragilidades... Não acha isso coisa de neurótico?". Não queria constranger ninguém. Diabo é diabo. Assim como organza é organza. Mas prefiro manter uma certa distância, atrás das coxias até sacar a pessoa. Não é uma questão de desconfiança. Creio que está mais ligada ao fato de poupar todos de relações que podem ser desastrosas do que duvidar do outro. Mas isso é difícil de se explicar, quando se tem a fama de uma pessoa irritadiça e solitária. Ultimamente, tenho dormido com as janelas fechadas e não me importo com o diabo usar leque. Não mesmo. Acho inclusive, divertido. Também não me importo em mostrar a beleza de uma manga de organza. Mas ainda sim, à noite, prefiro dormir dentro de um quadrado impenetrável.

Um comentário:

cleberix disse...

Não tenho nada para comentar. Só ler. É muito bom ler teus textos.