
No final da tarde, foi até a janela do quarto. Colocou a poltrona próxima do peitoril, onde resolveu deixar um dos braços para fora. Arregaçou uma das mangas do pijama e por alguns segundos ficou a sentir o vento gelado, na pele. Estava muito frio e ter a possibilidade de a qualquer momento voltar para cama e se enfiar debaixo dos edredons florais, dava-lhe a impressão de que havia - apesar de tudo - feito boas escolhas.
Olhando para uma gravura sobre a sua cama sem nunca ter notado alguns detalhes, começou a aliviar sua ira. Começava a sentir menos culpa e mais perdão, pois o que vinha à sua mente de forma torrencial, depois de uma conversa franca com aquela, que deveria ter amado mais que tudo e todos, era uma melancólica conclusão de quão difícil era manter-se... Fiel; paciente; amorosa, pois até os esmaltes nas unhas não se mantêm; nem os filhotes nos ninhos permanecem lá após determinado tempo, sem falar do gás do refrigerante que some depois de aberto uma, duas vezes e ficamos com o gosto insuportável de xarope, na boca... Pensar nesta perspectiva, quase ingênua, dava-lhe humor e leveza para aquilo que não aguentava mais carregar.
Recolheu o braço para dentro do quarto, sentindo-se mais serena, o cheiro de peixe assado da cozinha entrava no quarto, lembrando-a que tinha muito o que fazer, naquela noite, na qual receberia um casal de amigos. Vestiu os chinelos para acabar de fazer a janta, mas antes de atravessar o apartamento, aproximou-se mais daquela gravura e murmurou para si: Como não perdoar?
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