Memórias do Subsolo, Fiódor Dostoiévski
Por quanto tempo aguentarei ser simulacro de mim mesma, não sei. Minha voz está irreconhecível, como aqueles garotos que estão na puberdade. Algumas emoções contraditórias deformam a imagem que tenho de mim mesma e acredito que isso está se refletindo na maneira como ouço o tom da minha voz. Mas será que as pessoas estão ouvindo os meus guinchos? Loucura... Metade minha já sabe tudo e tranquiliza-se: amanhã será um novo dia... Ironias escapam de mim, quando penso em voltar para o trabalho que abandonei, ontem, subitamente. Não, aquilo não me fazia bem. Anos e anos, trabalhando em uma editora, metodicamente, com horário cronometrado para levantar e almoçar; para caminhar no corredor e ir até a baia de algum colega para perguntar, se havia me incluído no bolão de um jogo qualquer - enfim, eram laços sociais que me davam a certeza de que eu era uma moça correta, simpática, mesmo sendo cínica comigo mesma, revelando no centro da minha consciência covardia e provincianismo...
Tsc Tsc Tsc... O esmalte começa a lascar, na pontinha...
Mas aos quarenta e cinco anos, por onde recomeçar? Rebeldia nunca foi o meu forte. Admirava aquelas que, na adolescência, faziam o que o desvario de uma fase pudesse impelir, eu, calada, resoluta das minhas metas preferia assistir a mim e a todos... Triste conclusão: ter sido uma expectadora de si e do e se... E se eu fosse mais....
Hoje solidão. Não constitui família e não por falta de oportunidade. Fui amada e amei, mas não me encaxei no papel que me caberia a de ser uma mãe, uma esposa. Pois na minha cabeça é assim: aos Outros tudo transcorre, naturalmente, e a mim há uma muralha entre o que desejo e a vida. Não, não quis chegar a um top-cargo, em empresa qualquer, nem me tornei a moça aficcionada por diet shakes e plásticas. Nada. Apenas salmoura para os peixes aos domingos e risos da piada de um amigo tão solitário quanto eu. Para onde foi o sentido da minha vida? Para onde vai? Pois bem, estou ao menos nesta noite, corajosa o suficiente para olhar para o vazio que criei como um filho - talvez, isso me salve!
Mais um café... É isso que peço à garçonete, enquanto tomo coragem para me arrastar até a minha casa, onde há plantas, massas prontas e recados na geladeira para serem cumpridos, na semana - e isso de alguma maneira alivia as minhas pulsões.
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