quarta-feira, 28 de outubro de 2009

OLHANDO PRA VOCÊS...

Ser mais do que se pode conhecer e nomear. Viver um dia de cada vez é a tática que estabeleci, para não me surpreender demais comigo mesma, pois quando as pessoas me fazem lembrar que existo, através de uma conversa prosaica, atualizo-me como uma mulher civilizada.
Por que falo de mim como se fosse uma bárbara? Uma selvagem? Seria apenas uma fixação obsessiva por uma ideia excêntrica, que me põe em evidência para mim mesma, em segredo? Ou seria de fato a fidelidade a um mundo, de onde vim e que, desde há muito tempo sinto saudade de estar próximo dele, como se eu carregasse dentro do meu coração uma floresta com uma clareira, onde posso sentar-me e observar os pássaros?

Não sei. Desisto em descobrir e em segredos fantasiosos caminho entre os transeutes, vou à feira, compro tomates robustos. O homem que me atende entrega o troco como se fosse para uma jovem madame. Encontro de supetão uma amiga, que desde longe sorri como um gato astuto, torno-me para ela, imediatamente, uma estátua grega, meu dorso se eleva, minha voz infantil esconde no praquejo a ansiedade do encontro. Ela sabe de onde eu vim. Compreende o que talvez nem eu mesma compreendo e isso nos fascina. Os bons encontros são aqueles em que uma pessoa observa a outra, como se aquela estivesse alguns degraus abaixo e que portanto é possível enxergar toda a mandala de sua vida, tatuada na coroa de sua cabeça. E ela me vê assim e eu a vejo do mesmo jeito.

Na sacola, as ervilhas tortas são exprimidas pelos tomates e pelas cenouras. E isso me faz lembrar o beijo dele, que era doce, que me deu febre, que me fez temer perder a vida, pois quem ama sabe: a fogueira trepida, a música vem de altos tambores, o céu noturno é cravejado de estrelas e a alma deseja galopar até cansar e desmaiar longe do corpo.

Podemos tomar um café qualquer dia desses, o que acha? Respondo que sim. Sem problema nenhum. Tempo não me falta, pensei, pois no isolamento, no qual me encontro, nesses últimos meses, como uma bruxa-megera perdida em livros, seria extremamente saudável ver pessoas. Dividir sorrisos. Olhar o fluxo da vida na sua incessante vida-morte-vida: crianças comprando bombons como se fossem diamantes, mães desligando o alarme do carro, para guardarem as compras de supermercado no banco de trás (pobres mulheres!, acreditam na previsibilidade da vida), cachorros puxando velinhos ,que já não estão mais conosco... E assim vai e vamos, aceito o convite e volto para casa, para a minha clandestinidade, onde posso somar as contas do aluguel e da luz feliz, por ter me domado mais um dia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Mesmo loca, consegui ler o post até o fim. Gosto dos seus textos, sua maluca! beijos

Lili

Anônimo disse...

Os bons encontros são esses!

Que bom que mandou o endereço do seu blog. Não cheguei com ele em casa.

Adorei o reencontro. Te ver toda branquinha. Te ler.

Que saudades!!!

Com carinho,
Marcela